A política externa portuguesa não existiu entre 2011 e 2015. A frente europeia ficou a cargo do primeiro-ministro e foi, naturalmente, monopolizada pelo resgate financeiro e pela conturbada relação que se estabeleceu com os parceiros/credores. Durante a anterior legislatura, o Ministério dos Negócios Estrangeiros passou por duas etapas: a primeira, liderada por Paulo Portas, centrou-se quase exclusivamente na “diplomacia económica”; a segunda, coincidente com o período de Rui Machete como ministro, foi de pura e simples inexistência.
A nomeação de Augusto Santos Silva, em Novembro de 2015, surpreendeu. António Costa quebrou a tradição de anteriores primeiros-ministros socialistas, não optando por uma figura militante ou independente próxima da ala direita do partido, como Jaime Gama, Freitas do Amaral ou Luís Amado. As sobrancelhas franziram-se em função do gosto de Santos Silva pelas polémicas e pelo debate público frontal, ingredientes pouco apreciados para os lados do Palácio das Necessidades. Porém, não tardou a ficar patente que a opção do primeiro-ministro por um ministro com um perfil político se traduzia também num reforço da acção internacional do Governo e da política externa no contexto interno.
A vitória da candidatura de António Guterres a secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) é, no essencial, sua. No entanto, sem esta nova abordagem e sem este reforço da afirmação de Portugal no quadro internacional, as dificuldades teriam sido bem maiores. A chegada de Guterres ao topo da ONU comprova que, numa aparente contradição, o peso de Portugal no mundo é maior do que na Europa, sobretudo no contexto de uma união monetária em crise. Paralelamente, a candidatura frustrada de Kristalina Georgieva demonstrou que o equilíbrio de poderes na União Europeia não é passível de ser extrapolado à escala universal: uma Alemanha empenhada põe e dispõe em Bruxelas, mas é pouco relevante em Nova Iorque.
A atitude da Comissão Europeia, arrastada para uma candidatura de última hora, acabou por pôr em evidência as dificuldades que a União tem em afirmar-se como actor para lá das suas fronteiras. Quando o desafio é político e não económico, o fracasso é uma realidade e as debilidades do projecto ficam expostas. Já aconteceu em situações mais graves, como na Bósnia, no Kosovo ou na Líbia. O desenho institucional da ONU não se compadece com a evolução do poder económico no quadro europeu, continuando a imperar a lógica realista do pós-Segunda Guerra Mundial.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.