Enquanto os slogans eleitorais dos partidos do centrão remetem para ideias vagas sobre “voz” e o “futuro” de Portugal na Europa, muitos eleitores sentem precisamente que não foram tidos em conta em matérias que irão redefinir radicalmente o seu modo de vida, o tecido social e económico e o ambiente cultural na sua própria terra.

Num projecto europeu que se diz inclusivo e democrático, não podem existir caminhos únicos nem intimidações morais no debate político. No entanto, a política migratória tem vindo a ser objecto de um discurso sentimentalista que vê o contraditório como um ataque aos “direitos humanos”.

Dependendo dos seus objectivos políticos, necessidades e circunstâncias económicas e geopolíticas, os Estados podem seguir diferentes políticas de fronteiras, com diferentes graus de controlo. A vontade política pode ter diferentes inspirações e finalidades, portanto, não é concebível assumir que a actual permissividade absoluta das fronteiras é o rumo inevitável para a Europa, esmagando-se a possibilidade de proteger a soberania, a segurança interna e a matriz cultural de cada jurisdição.

Ao arrepio do senso comum das populações, a doutrina do multiculturalismo impõe-se sobretudo como um credo obrigatório, já que parece não vingar pela via de bons argumentos lógicos. Bem, até poderiam existir argumentos fortíssimos, por exemplo, de ordem económica, mas os povos europeus também têm o direito de decidir quais os aspectos que mais valorizam e protegem nas suas vidas. Um dos argumentos mais enunciados para justificar que as sociedades europeias devem estar totalmente receptivas às vagas de migração extra-europeia é o suposto contributo dos imigrantes para a sustentabilidade da segurança social.

Para início de conversa, esta mensagem diz-nos logo que o seu mensageiro está pouco preocupado em reavivar a vitalidade demográfica dos nativos europeus, rendendo-se à importação apressada de uma aparente solução.

Além de ser um péssimo sinal, o argumento em si também não é propriamente forte, pois os descontos para a segurança social são uma parte irrisória, sobretudo porque os imigrantes são simultaneamente beneficiários (em transferências e serviços públicos) e ainda, ao auferirem, em média, baixos salários, os seus respectivos descontos (quando existem) também são baixos. Se o contributo económico dos imigrantes fosse assim tão proveitoso para os países receptivos, por que motivo seria necessário a União engendrar penalizações financeiras contra os Estados que querem restringir as entradas?

Além de ser sentida como uma afronta à soberania dos Estados, essa postura de Bruxelas vem imbuída de um espírito de culpabilização que humilha os europeus. Uma humilhação na medida em que os europeus são forçados a aceitar uma missão de reparação histórica em relação aos povos que procuram viver na Europa e têm de aceitá-la em silêncio, por medo de acusações de xenofobia.

Note-se como a opinião pública é orientada a pensar que a sensação de insegurança é apenas fruto da sua imaginação, de instintos provincianos e de manobras mediáticas populistas. Ironicamente, é a ilusão pacifista multicultural que acaba por conduzir a uma vida pública fortemente vigiada e policiada. São as forças de segurança, nas sombras e periferias, que esbarram de frente com fenómenos inéditos que não foram autorizados a controlar e que os noticiários atiram para a banalidade dos rodapés.

Seja por meio de um “pacto” europeu que tenta castigar Estados menos abertos à imigração, seja pelo recurso ao fraco argumento da sustentabilidade da segurança social, é mais que evidente que o discurso idealista sobre as alegadas vantagens do “caldeirão cultural”, por si só, foi chão que já deu uvas.

No que diz respeito à segurança interna dos Estados, o caso português começa a ser palco de algumas tendências preocupantes que se verificam com maior intensidade em outras regiões da Europa.

De acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna, que acaba de ser publicado, existe um aumento da criminalidade violenta (pág. 13) – extorsão (+25,8%); resistência e coação sobre funcionário (13,2%); roubo por esticão (+7,7); rapto, sequestro e tomada de reféns (+22%) –  e esse aumento é maior na Guarda (+68,3), em Bragança (+54,3), em Viseu (+36,1) e em Setúbal (+26,6).

Verifica-se também um aumento da criminalidade grupal, principalmente “decorrente de grupos juvenis e jovens motivada por rivalidades entre grupos de jovens, rivalidades por motivos fúteis entre bairros, entre outros” e “a que envolve grupos criminosos organizados, em especial os que se dedicam ao tráfico de estupefaciente” (pág. 46). Porém, o relatório não apresenta a mínima caracterização de quem comete estes crimes, impossibilitando a análise destas tendências à luz das transformações demográficas, sociais e culturais mais relevantes do nosso tempo.

Não admitir que a imigração extra-europeia massiva comporta comportamentos e ameaças diferentes à paz e à identidade europeias é uma contradição, pois é inevitável que a tão louvada “diversidade” carregue sempre os padrões de comportamento e a natureza dos delitos mais comuns, especialmente em países europeus em que as leis tendem a ser mais brandas do que nos seus países de origem. A “diversidade” traz consigo o pacote completo.

À medida que os europeus sentem que poderão vir a ser uma minoria na sua própria terra – e até já o são em algumas cidades e vilas europeias – reacende-se um ímpeto de autodeterminação. Para quem esteja atento a este ímpeto, as eleições europeias funcionarão quase como o “referendo” que a Europa nunca teve a respeito das políticas de migração.

Foi em linha com esse ímpeto que os alemães começaram a entoar “Alemanha aos alemães, estrangeiros fora” (Deutschland den Deutschen, Ausländer raus), apelando à “remigração”. Este som difundido a partir da Alemanha, como tudo o que é contemporâneo, poderá esgotar-se em pouco tempo, mas é um sinal de radicalização natural que já conseguiu pôr em evidência a divisão entre o discurso que as elites autorizam e aquilo que as bases populares incendeiam espontaneamente, depois de um longo período de servidão.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.