A questão de fundo subjacente ao debate do tema – a renacionalização dos CTT – deverá incidir, antes de tudo, nas razões que levaram à sua privatização: compreender a razão por que foram os CTT privatizados. Daí a renacionalização permanecer uma questão em aberto e a ser devidamente ponderada.

Na realidade, o governo de Passos Coelho/Paulo Portas/Assunção Cristas privatizou os CTT, contra tudo o que era inteligente, movido apenas pela sua postura ideológica, ferindo até o bom senso, na senda de reduzir a presença do Estado na economia. Porém, esta decisão não podia ser “vendida”, desta forma. Havia que enlaçá-la de maneira atraente e cativante. Como ir à procura dos laços, como encontrá-los?

Fácil, avançar com aquelas máximas que certos analistas, sempre muito enroupados na dita auréola da tecnocracia, têm a boca cheia: caminhar para uma maior eficiência económica da empresa e a melhoria na qualidade dos serviços a prestar aos utentes, insinuando ainda de forma sub-reptícia uma redução de preços.

Como já aqui se escreveu, em artigo anterior: “Uma empresa, símbolo da soberania nacional, de tantos anos, sempre pública, lucrativa, e que se espalhava ao longo de todo o país. Uma empresa quase monopólio em muitas das suas actividades. Porquê privatizar? Só o lucro mexe? E as pessoas e o seu conforto?”

Só “o lucro mexe”, uma grande verdade, e as pessoas e o seu conforto a léguas. O lucro, esse, há que transferi-lo para os grupos privados. Quase como consigna se podia dizer “todo o lucro aos privados”. E a constatação não tardou a ser uma evidência, neste caso concreto dos CTT. Prova-o o que aconteceu em 2016. O montante de dividendos distribuídos aos accionistas foi, nesse ano, superior aos lucros gerados na empresa. Era tal a ânsia de encher o bolso!

A qualidade do serviço prestado aos utentes

Depois da troca recente de galhardetes entre o regulador ANACOM e o presidente dos CTT, acerca da informação tendenciosa divulgada pela administração dos CTT a respeito das reclamações dos utilizadores, a que o CEO da empresa tentou dizer que procede segundo as normas europeias, estou de acordo com o presidente da ANACOM que diz defender que as falsas informações deveriam ser sancionadas.

Só me questiono: a ANACOM pode aplicar esse tipo de sanção? Pergunto, porque não sei. Mas se pode, porque hesita?! De tudo quanto li na comunicação social, a posição da administração não passou de uma pura mistificação. Os CTT mais uma vez na desinformação…

Aliás, estamos habituados a, praticamente, desde o contrato de concessão, assinado em Setembro de 2014, falhas sucessivas das obrigações de serviço público contratualizadas por parte dos CTT, tendendo a qualidade do serviço a piorar cada vez mais e a assistir-se a tomadas de decisões cruciais para os utentes, como o fecho de estações até em sedes de concelhos como tem vindo a denunciar a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, que pediu inclusive a reversão do contrato, porque entende que a acção dos CTT vai contra os interesses das populações.

Na comunicação social, aparecem denúncias sistemáticas sobre o mau serviço prestado aos utentes, por exemplo na entrega de correspondência, com atrasos sucessivos de vários dias.

A própria ANACOM tem feito eco das deficiências e determinou recentemente um conjunto de alterações que visam “tornar o sistema de medição dos indicadores de qualidade mais fiável e robusto, por ter concluído que o sistema apresenta muitas fragilidades”.

Actividades em profunda mutação

Não desconhecemos, porém, que o conjunto das actividades que integram o foco principal de acção dos CTT está em profunda mutação. Numas actividades, como a entrega de encomendas, a tendência é de forte expansão, sendo expectável que se desenvolva cada vez mais devido à expansão do e-commerce. Pelo contrário, a evolução tecnológica tende a influenciar de forma negativa a área da correspondência. É um sector onde se tem de estar muito atento às tendências evolutivas, sob pena de ver passar “o combóio”.

A concessão do contrato termina em 2020. Há um grande sentimento transversal no sentido da reversão, exactamente pela má prestação do serviço da empresa concessionária. Qualquer que seja a solução a tomar, ela deve ser pensada e equacionada a sério e de fundo.

Hoje, a reversão não pode ser feita nos mesmos termos do que foi a concessão. Os CTT têm acoplado o ramo bancário e, em termos de União Europeia, a situação de reversão, por esta razão, torna-se bem mais complexa. E, para além disso, persistem grandes interrogações sobre a situação de encaixe da banca neste contexto. Desconhece-se em que medida a licença bancária CTT beneficia e sobrecarrega os custos da restante estrutura em proveito próprio. Aqui está uma área de grande nebulosidade.

Mas, e ao contrário do que afirmou o primeiro-ministro António Costa, o problema não pode ser deixado para as vésperas do termo da concessão, ou seja, para finais de 2020, sob pena de uma decisão pouco estruturada.

Deveriam ser equacionadas e aprofundadas, com antecipação, as diversas soluções que se podem enfrentar no fim da concessão, bem como um plano estratégico de longo prazo para todo o sector e inclusive para o regulador, até porque Portugal aderiu a uma economia “regulada”, que, está provado, regula muito pouco. Para esta afirmação, basta olhar os exemplos da banca, a prova mais marcante de que a regulação tem sido um caminho para o desastre, com custos enormes para o país e atrasos no seu desenvolvimento.

Faz sentido, em meu entender, criar algo como uma Estrutura de Missão que se debruce sobre esta magna questão com efeitos em vários domínios, a título de exemplo, o desenvolvimento do interior. Uma Estrutura de Missão reduzida, ágil, eficaz e transparente, com objectivos bem definidos, tendo em conta as muitas experiências internacionais.

Não me chocam as concessões quando bem negociadas e definidas. Porém, em áreas de elevado grau de monopolização como é o caso dos CTT, sou defensor do Estado a superintender “o negócio”, porque o pode ajustar melhor às necessidades reais dos utentes, porque o objectivo lucro não é determinante. O que há são diferentes modelos de gestão e também gestores melhor preparados em termos técnicos e de maior sensibilidade aos interesses da sociedade.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.