No mês passado ficámos a saber que os gestores do PSI20 ganharam, em média, 42 vezes o salário médio destas empresas. Com base nesses números discuti aqui como estas disparidades salariais empobrecem o país e as pessoas.

Ficou por discutir, no entanto, a origem destas disparidades. Ainda bem, porque um mês depois essa origem ficou ainda mais clara. Na passada sexta-feira, as sedes da REN e da EDP foram alvo de buscas. Em causa está uma investigação judicial sobre suspeitas de corrupção e favorecimento na instituição de rendas que os consumidores são obrigados a pagar na fatura. Estas rendas foram garantidas pelo Estado para “compensar” as empresas pela liberalização do mercado da eletricidade. Resultado? Portugal é dos países da Europa onde a eletricidade e o gás são mais caros e onde se passa mais frio. Por exemplo, na minha cidade, Pombal, são conhecidos casos de idosos que passam os dias de inverno a viajar nos autocarros urbanos para se aquecerem, porque se ligarem o aquecedor lá de casa falta-lhes o dinheiro para a farmácia.

Estas rendas são um claro favorecimento político e económico destas empresas e são um desastre económico e social para o país. Devemos, portanto, acabar com elas já. Mas o que pretendo discutir não é propriamente a aberração destas rendas, mas antes como este caso ajuda a ilustrar a origem das tais disparidades salariais.

Como surgem estas disparidades? Bom, podemos acreditar que o neoliberalismo é o caminho para o Olimpo e que o funcionamento dos mercados obedece a leis da natureza. As teorias económicas que o sugerem explicam-nos que o mercado iguala o salário à chamada produtividade marginal do trabalhador. Podíamos acreditar, mas seríamos ingénuos. Acha mesmo que a EDP mediu o produto da empresa antes e depois de contratar António Mexia? E que calculou o seu salário fazendo a diferença entre o antes e o depois, a tal produtividade marginal? Claro que não.

Os salários dos “supergestores” não são fixados através de uma fórmula mágica. Eles são antes explicáveis por, pelo menos, três fatores. Por um lado, 1) dependem da capacidade do gestor de negociar o seu salário com os seus patrões. Recorda-se, por exemplo, de quem é o maior acionista da Jerónimo Martins, aquele que define o salário do CEO Pedro Soares dos Santos? É a Sociedade Francisco Manuel dos Santos, cujo presidente do conselho de administração é… o próprio Pedro Soares dos Santos.

Por outro lado, 2) estes salários exorbitantes resultam de um aparato autojustificativo. Vejamos, a Semapa detém a Navigator. Queiroz Pereira e Castello Branco são CEO da Semapa e ganham 1,5 Meur por ano. Diogo da Silveira é CEO da Navigator e recebe 1,2 Meur por ano. Ora, aos CEO da Semapa convém que seja normal que os “supergestores” sejam muito bem pagos, remunerando assim milionariamente Diogo da Silveira, para poderem justificar os seus próprios salários milionários.

Por fim, 3) estes salários resultam da concentração de poder nas grandes empresas e das portas-giratórias entre o poder político e o poder económico-financeiro. Reparemos no caso das rendas da EDP. À frente da empresa está António Mexia, ex-ministro de Santana Lopes, e Eduardo Catroga, ex-ministro das Finanças e negociador pelo PSD da intervenção da troika, a que finalizou a privatização da EDP. Nos últimos 20 anos, passaram pelos órgãos sociais da EDP 20 ex-governantes. Quem faz as leis não pode aproveitar-se delas.

O caso das rendas das elétricas está agora sob investigação. Veremos se se apuram factos que possam incriminar estes “supergestores”. Mas, mesmo que não sejam apurados, vale a pena sermos claros. Estas disparidades salariais, nas energéticas e no resto da economia, podem não ser crime, mas são politicamente inaceitáveis, são totalmente injustificáveis e têm de terminar.