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Renée Zicman: “A função da universidade é formar cidadãos para atuar num mundo complexo”

Nesta entrevista, a diretora executiva da FAUBAI faz a radiografia do ensino superior brasileiro, destaca a maturidade das suas instituições e o compromisso destas com a internacionalização que é cada vez maior.
12 Maio 2019, 13h00

É, nas suas próprias palavras, “filha da cooperação internacional”. Os pais,  jovens engenheiros, ele argentino, de ascendência ucraniana, e ela brasileira, faziam a especialização em França quando se conheceram. A mãe terá sido a primeira bolseira da CAPES, organismo que financia a cooperação do Brasil no exterior, criado em 1951. Renée Zicman nasceu no Rio de Janeiro, mas fez a sua vida em São Paulo. Professora durante quatro décadas na Faculdade de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde durante muitos anos foi responsável pela área internacional, é Diretora Executiva da Associação Brasileira de Educação Internacional, desde 2013. Em Belém, no estado do Pará, palco da 31.ª conferência anual da FAUBAI, que decorreu entre 13 e 17 de abril, conversou com o Educação Internacional e fez-nos uma radiografia do ensino superior brasileiro.

Como se organiza a educação superior no Brasil? Que instituições há?

O sistema de educação superior brasileiro é bastante complexo e diversificado. Mesmo no país, não sei se todos têm a perceção de como o sistema é diverso. No Brasil, há atualmente pouco mais de 2.400 instituições de educação superior (IES), das quais cerca de 200 são universidades, o que significa que há um número imenso de instituições de ensino superior não universitárias.

Comecemos pelas universidades.

O sistema divide-se em dois grandes grupos: as instituições públicas, que podem ser federais, ligadas ao Ministério da Educação ou ao governo central, e estaduais ou municipais, ligadas aos estados e municípios brasileiros, portanto com financiamento ou cofinanciamento central do próprio ministério para as federais, e financiamento dos governos dos estados e municípios para as instituições estaduais e municipais. Este é o segmento público, em que estão as mais importantes universidades do país. Do outro lado, há as universidades privadas.

Como se caraterizam as universidades privadas?

Temos duas categorias de instituições. As universidades privadas comunitárias, de direito privado e missão pública, sem fins lucrativos e onde os lucros auferidos são, por lei, obrigatoriamente reinvestidos na instituição. Aí, encontramos o ensino superior religioso, que é muito forte no Brasil e, de um modo geral, na América Latina. Estão neste grupo, por exemplo, as universidades católicas pontifícias,  as ‘7 PUCs’ – São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Goiás, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul –, que têm uma presença muito forte no país. São universidades com um compromisso muito grande com o desenvolvimento das regiões onde estão inseridas, daí o caráter comunitário, filantrópico.

O outro segmento é o privado particular, com crescimento relativamente recente e composto por instituições privadas stricto sensu, que podem ser lucrativas.

As instituições privadas reúnem 87,9% das instituições de educação superior do país e 75,3% das matrículas em licenciaturas.

E o resto?

Nas quatro categorias – público federal, público estadual e municipal; privado comunitário; e privado particular – há diversas modalidades de instituição: universidades, centros universitários, faculdades e institutos de educação, ciência e tecnologia. Fora as universidades, mais de 2.200 são instituições de educação superior não universitárias. Todas reguladas e reconhecidas pelo Ministério da Educação, ainda que a gestão e o orçamento não saiam do governo federal.

Como se explica a existência de tanta instituição?

A realidade do país ajuda a explicar a diversidade que vamos encontrar dentro do sistema de educação superior. A meta do Plano Nacional de Educação (PNE) é chegar a 33% dos jovens entre os 18 e os 24 anos no ensino superior. O número atual é próximo de 19%.

Falemos da FAUBAI.

O que faz? Quem representa?

A FAUBAI, fundada em 1988, procura desenvolver e estimular o processo de internacionalização do ensino superior, promover a qualidade e excelência da educação superior brasileira, apresentar o país como um destino para estudantes. Em suma, contribuir para aumentar a visibilidade do Brasil no exterior. Temos em torno de 250 associados, entre universidades, centros universitários, faculdades e institutos. As universidades constituem mais de 50% dos associados. Para que uma instituição seja associada, é condição estatutária ter, pelo menos, uma pessoa responsável pela área internacional. Como associados efetivos, a FAUBAI reúne gestores das áreas internacionais de instituições de ensino superior brasileiras. Como associados colaboradores, podemos ter instituições estrangeiras.

Como avalia o processo de internacionalização das vossas associadas? Em que fase está?

Em primeiro lugar, gostaria de enfatizar um aspeto muito importante, que é o elevado grau de profissionalização já atingido pela gestão dos assuntos internacionais das instituições brasileiras. Acreditamos na necessidade de capacitar a gestão profissional como forma de dar continuidade aos projetos, independentemente das mudanças que se possam verificar na direção das instituições. Neste campo, avançámos imenso no Brasil. Pela constituição brasileira, as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecem ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Não acho que a internacionalização seja, como muitos dizem, um quarto pilar…

Então é o quê, na sua opinião?

A internacionalização é uma dimensão transversal porque perpassa o ensino, a pesquisa e a extensão. Transversal também na medida em que faz parte integrante da missão da instituição. Não se trata de um apêndice, não é aquele professor que faz aquele programa, tem aquele consórcio, ou aquele outro que recebe estudantes ou vai fazer o pós-doc. Isso, claro, é sempre importante, mas a ideia é que tudo isso faça parte de uma estratégia institucional. Esse entendimento é outra coisa em que avançámos imenso no país. Entre os nossos reitores, pró-reitores e dirigentes, e em alguma medida no governo – embora o momento que  agora vivemos no Brasil tenha umas caraterísticas bastante preocupantes – já existe, no geral, a noção da importância da internacionalização.

Qual é? Pode especificar?

A dimensão internacional é fundamental para a investigação de qualidade e o desenvolvimento da própria extensão universitária. A função da universidade é formar profissionais e, antes de mais, cidadãos, para atuar neste mundo tão complexo e global. A instituição de ensino superior tem que abraçar essa agenda da internacionalização porque é a melhor maneira de conseguir formar esse cidadão do século XXI. Espera-o um mundo complexo, por isso, tem de saber atuar num mundo desigual, que saiba valorizar a diferença e a interculturalidade, e dominar línguas estrangeiras. O cidadão do séc. XXI tem de saber atuar num mundo que é global, mas simultaneamente local. Nunca pode esquecer que as duas dimensões têm que estar presentes.

Quais são as relações entre as IES portuguesas e brasileiras?

Resumindo, diria o seguinte: há um terreno muito fértil e acho que  ambos os países perceberam isso. Temos atuado conjuntamente e avançado. Sou completamente defensora de que temos que saber cada vez mais explorar nossas potencialidades, reforçar-nos mutuamente e reforçar a lusofonia, junto com os outros países lusófonos, através de ações conjuntas entre as nossas instituições de educação superior.

*em Belém do Pará, brasil

Artigo publicado no “Educação Internacional” do Jornal Económico a 10-05-2019

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