Os recentes desenvolvimentos políticos e securitários na República Centro Africana (RCA) obrigam-nos a refletir sobre o modelo desta e de outras intervenções internacionais por esse mundo fora. A longa presença internacional na RCA não se traduziu em desenvolvimentos políticos, económicas e sociais tangíveis, benéficos para o país e para a sua população.

Como outros países, também a RCA é criação de uma potência colonial. Foi a França que estabeleceu as suas fronteiras misturando muçulmanos e cristãos num mesmo espaço político, talvez a pensar, antes do tempo, nos méritos de uma sociedade multicultural. Desde a sua independência, em 1960, o país tem estado quase permanentemente em guerra civil. Além da figura trágico-cómica do “imperador” Bokassa, tem sido palco de sucessivos golpes de estado. O que está a ocorrer não é mais do que uma iteração de acontecimentos passados.

A rejeição de vários candidatos às eleições presidenciais pelo Tribunal Constitucional, incluindo a do antigo presidente François Bozizé, teve o “mérito” de unir sob a mesma bandeira grupos muçulmanos e cristãos, que controlam mais de dois terços do território, no boicote ao processo eleitoral e na “marcha” sobre Bangui para impedir a votação, o que fizeram nas áreas sob o seu controlo. Foram, no entanto, mantidos à distância da capital graças à intervenção de paramilitares russos, soldados ruandeses e capacetes azuis das Nações Unidas, nomeadamente o contingente português que esteve particularmente ativo nessas operações.

Apesar dos combates e da insegurança vivida no país, as eleições realizaram-se no dia 27 de dezembro. Nem a existência de fortes indícios de fraude, nem a falta de condições para que possam ser consideradas livres e justas impediram o representante-especial do secretário-geral das Nações Unidas de desvalorizar esses factos e atribuir um tom de normalidade à forma como aquelas decorreram.

A ausência de progresso político e social em países onde se verificam intervenções internacionais prolongadas, como na RCA, obriga-nos a questionar a validade deste modelo de atuação. Será que se está a fazer o que tem e deve ser feito? Se estas intervenções não forem acompanhadas de outras medidas, o envio de tropas pode não passar de um desperdício.

Três aspetos merecem particular atenção. Em primeiro lugar, está mais do que provado que é um erro insistir na instauração de democracias liberais em sociedades pré-modernas. Traz-nos à memória os tempos em que alguns acreditaram ser possível a passagem de um estado medieval para o socialismo, queimando etapas do desenvolvimento histórico; em segundo lugar, a pretensão de “promover desenvolvimento” onde a violência generalizada não foi erradicada, e não existe uma solução política sustentável; e, em terceiro lugar, intervir em países onde a corrupção é o modus operandi das elites.

As designadas missões integradas e multidimensionais ajudam no campo securitário, mas têm contribuído pouco para resolver os problemas sociais e políticos das sociedades, quando a elite dirigente e a sua entourage são os grandes beneficiários da ajuda internacional.

As forças internacionais correm involuntariamente o risco de se tornarem defensoras de regimes pouco aconselháveis. Urge discutir estes problemas e encontrar soluções.