O aumento do número de turistas em Lisboa tem incontestáveis vantagens. A economia local beneficiou com o aumento do consumo, a cidade tornou-se mais cosmopolita e a reabilitação do centro histórico deixou de ser apenas um enunciado nos programas políticos dos candidatos à edilidade.
Todavia, e porque o progresso não traz consigo apenas benefícios, importa ter em conta e procurar solucionar os problemas que acarreta. Desde logo, há que salientar a escassez de imóveis para habitação permanente no centro da cidade. A recuperação de edifícios tem tido em vista apenas o mercado turístico e a habitação de luxo, as mais das vezes desabitada grande parte do ano e inacessível ao cidadão com rendimentos médios.
O arrendamento de longa duração é crescentemente escasso, tendo diminuído 75% nos últimos três anos. Os já escassos habitantes vão sendo removidos para a periferia e a política de atracção de moradores para o centro – até há poucos anos assumida como prioridade pelo poder político – foi rapidamente esquecida, pois o alojamento local é mais lucrativo e beneficia de uma taxa de imposto inferior ao arrendamento habitacional.
Outra das vítimas da massificação turística é o comércio tradicional. Contam-se em mais de três dezenas os estabelecimentos desaparecidos das ruas da Baixa nos últimos anos, substituídos por lojas incaracterísticas, em tudo semelhantes umas às outras, sem qualquer relação com a história da cidade. É ainda prematuro avaliar os resultados do regime de protecção aprovado pelo Parlamento em Abril passado, porém, chega tarde para muitos dos pequenos negócios entretanto encerrados.
Simultaneamente, várias empresas há muito sediadas no centro da capital abandonaram as suas instalações e, recentemente, o Arq. Souto Moura propôs a saída dos ministérios instalados no Terreiro do Paço para darem espaço a actividades de lazer, proposta que, a ser concretizada, comprometerá a secular relação entre aquela praça e o poder político que fez dela, na linguagem corrente, sinónimo de Estado.
Por outro lado, a má gestão dos transportes urbanos, que precede a chegada da vaga de turistas, agravou-se com esta. Ao aumento da procura não correspondeu o crescimento da oferta e uma viagem no eléctrico ou no metropolitano tornou-se um tormento para quem vive e/ou trabalha na cidade. Permanentemente apinhados e com atrasos, os transportes não respondem satisfatoriamente ao bulício da vida urbana, ritmada ao minuto.
A euforia causada pela riqueza gerada pelo turismo não pode fazer-nos esquecer que uma cidade não é apenas um conjunto de arruamentos e edifícios. São as pessoas que nela habitam e trabalham, são as diferentes actividades que nela se instalaram, sem as quais a cidade se torna um mero lugar de passagem, onde se vai mas onde não se permanece, transformada numa sala de visitas, adequada para receber, mas desconfortável para habitar e trabalhar.
Alguns dirão que Lisboa está a conhecer uma mudança já ocorrida noutras cidades europeias, aceitando-a com a resignação do facto consumado. Porém, a consciência dos erros cometidos noutros lugares não deve servir de justificação para os replicarmos, antes deve servir para os evitarmos.
Importa que os poderes públicos estejam atentos e procurem soluções de equilíbrio que compaginem as mudanças geradas pela actividade turística com o quotidiano da cidade, que a define e individualiza, tornando-a acolhedora para todos. A Lisboa de hoje não pode deixar de ser, simultaneamente, o “recanto doméstico do sistema do Universo”, como a definiu um dos seus mais ilustres naturais, Fernando Pessoa.
O autor escreve ao abrigo da antiga ortografia.