Eis-nos chegados a mais um fim de semana eleitoral. Passados catorze meses desde a última vez que foram às urnas, os portugueses são chamados a voltar a cumprir o seu dever cívico.

Há qualquer coisa de cómico nos microciclos políticos. Já se sabe que os “mercados” tendem a apreciar a estabilidade e não é certo que a profusão de eleições não acabe por resultar num desligamento da população – para quê estar constantemente a ir votar se depois a perceção (certa ou errada, pouco importa para o argumento) é que tudo fica mais ou menos na mesma?

Mas isso não significa que a profusão de eleições e campanhas seja necessariamente negativa, pelo menos num país como o nosso – é possível que a estabilidade seja um valor um tanto ou quanto sobrestimado. Vejamos, a democracia portuguesa consolidou-se muito em torno dos partidos políticos, e penso que não ofenderei ninguém se disser que o nível de envolvimento político e cívico da nossa sociedade civil ainda tem muito por onde evoluir. Ainda é preciso mais espaço, quem sabe espaço alternativo, onde se crie comunidade e se possa fomentar um envolvimento cívico não necessariamente ligado à máquina político-partidária.

Ora, a ser assim, pelo menos a reiteração da mobilização eleitoral tem a virtude de voltar a trazer à liça as mundivisões e propostas alternativas de cada partido; numa democracia pouco substantiva como a nossa, pelo menos nesses momentos faz-se por discutir política e (nem que seja só na aparência…) ouvir os cidadãos, o que já não é completamente mau.

Reflexão e futuro

Acontece que, em virtude do microciclo, as ideias apresentadas pelos partidos acabaram por não divergir em grande coisa do que tinha sido apresentado há pouco mais de um ano. Posto isto, seria interessante que a repetição não se tornasse um círculo, mas uma espiral. Repetir para ficar exatamente tudo igual, em tese, costuma ser perda de tempo. Repetir para evoluir, transformar, fazer diferente, talvez valha a pena.

Acompanho o gesto de André Barata de apelo a uma “destimidez política” que ouse ir mais longe, pôr como imperativo a proteção do clima, a recusa da dominação, a criação de condições para uma vida em comum que não seja desgraçada para tanta gente. Não estamos nesse ponto. Talvez um dia lá cheguemos. Mas não será, porventura, descabido deixar esta nota no momento em que mais uma vez se imporá a “reflexão” no dia legalmente instituído para tal.

Há, aliás, qualquer coisa de paradoxal na própria noção de imposição de uma reflexão. Dir-se-ia que, para a maior das pessoas, engolidas pela sofreguidão do dia-a-dia, ‘parar para pensar’ é um luxo de que não dispõem. Mas será que ‘refletir’ é algo que se possa impor por lei? É até divertido pensar no que isso significará na prática neste sábado em que uma parte significativa do país se mobilizará para outra contenda, a futebolística.

Há, no entanto, outra dimensão na qual o apelo à reflexão sobre a política talvez possa fazer algum sentido no caso específico desta eleição. É que, como timidamente se foi dizendo aqui e ali, provavelmente o melhor enquadramento para o caso específico que acabou por provocá-las é ético. Ora, a ética também é a transformação de nós mesmos, e daquilo que queremos para nós e para os outros – o que não pode deixar de ter uma dimensão política. Reflita-se, pois.

O presente que se impõe

Acontece que se pensar seriamente a política implica ir mais longe que o dado e preparar o futuro, a ação política também é a resposta de fundo àquilo que se impõe. E aqui, a campanha deste ano trouxe algo de curioso. É que não há como não notar que ela pareceu ensimesmada. Raros foram os momentos em que os grandes desafios do cenário internacional concentraram as atenções do debate. Como se as opções políticas imediatas à disposição não viessem a estar fortemente condicionadas pelas tarifas de Trump, pela evolução da economia internacional ou pela situação na Ucrânia e em Gaza.

Mas, num país simultaneamente fortemente integrado na globalização e semiperiférico como o nosso, isso não é possível. Por conseguinte, e independentemente do resultado de domingo, o governo que vier não poderá deixar de lidar com estas questões e tomar opções de fundo.

Primeiro, a economia. Passou quase desapercebida a contração de 0,5% da economia portuguesa no primeiro trimestre de 2025 face ao último trimestre de 2024, e que, embora contrastando com o comportamento da economia da zona euro e da UE no mesmo período, se torna um sinal mais significativo se tivermos em conta que, como relembrou António Mendonça nas páginas deste jornal, podemos estar a caminho de uma nova recessão global. No caso de Portugal, fortemente dependente da galinha dos ovos de ouro do turismo, isso leva-nos a pensar que de facto será preciso tomar rapidamente tomar decisões sobre em que setores da economia apostar para escapar a essa dependência – a minha intuição é sempre apontar para a importância da aposta no conhecimento (política científica incluída) mas isso, já se sabe, não costuma passar de uma quimera.

Segundo, a defesa e o posicionamento face à Ucrânia e a Gaza. É significativo que a primeira prioridade do novo Papa Leão XIV seja a paz e que tenha oferecido a mediação do Vaticano no esforço para “silenciar as armas”. Contudo, as negociações de paz entre a Ucrânia e a Rússia parecem continuar num impasse e a EU continua apostada no rearmamento. Ainda está para ver que consequências terá o desvio de financiamento para a indústria armamentista. O governo que sair das eleições de Domingo terá de ser muito claro a este respeito, já que a campanha não o foi.

Finalmente, e na sequência da questão anterior, o direito internacional humanitário. Enquanto se preparam as eleições em Portugal, Netanyahu ameaça que o exército israelita entrará em Gaza “com toda a força”. Num momento em que já não entra ajuda humanitária há mais de dois meses, a própria ONU afirma cada vez com maior veemência o risco de genocídio e pede ações concretas para garantir o respeito pelo direito humanitário internacional. Nada menos é exigível ao novo governo, seja lá ele quem for.