Há 50 anos, a 15 de Agosto de 1971, Richard Nixon, então presidente dos EUA, suspendia unilateralmente a convertibilidade do dólar em ouro, decretando, na prática, o fim do regime de Bretton Woods. Esta resolução, que desencadearia o regresso a regimes de câmbios flexíveis, molda até aos nossos dias a corrente dominante da economia e a política económica. Hoje, numa nova decisão unilateral, de entre as inúmeras em que parecem historicamente ser especialistas, os EUA desencadeiam mais uma crise, desta feita humanitária e com epicentro no Afeganistão.

Se a escolha de Nixon se deveu ao esgotamento de reservas de ouro, o seu efeito consubstanciou-se numa mudança institucional global que legitimaria o neoliberalismo económico das décadas posteriores e culminaria na defesa da liberalização dos movimentos internacionais de capitais, explicando muito da arquitetura da atual ordem económica internacional.

Em resposta à decisão americana, a Europa acordou, em 1972, a criação da serpente monetária no túnel. Procurando avançar para um regime cambial próprio, definiram regras monetárias para os países da então Comunidade Europeia que, em 1999, vieram a dar origem à União Monetária e ao euro. A opção americana atuou como choque externo, promovendo a aliança dos países europeus e dando fôlego a um projeto de autonomização monetária que se desenhava desde o final da década de 1960.

Com todas as suas limitações, a política monetária europeia constituiu, na última década, o sustentáculo da parca recuperação económica da zona euro, tendo sido decisiva a rutura introduzida por Draghi e continuada por Lagarde, apostando na defesa do projeto monetário europeu como uma forma de estabilidade económica e de afirmação da Europa perante si própria e à escala global.

Apenas um quarto de século volvido sobre a Segunda Guerra Mundial, Nixon quebrava o pacto cambial estabelecido com os restantes países, destruindo a confiança global. Hoje, duas décadas sobre a decisão de entrar no Afeganistão, uma decisão unilateral americana torna a lançar a desordem sobre as relações internacionais.

Perante uma crise, os EUA tendem a adotar um pragmatismo egocêntrico, dando prioridade aos seus problemas internos. As consequências dos seus atos têm normalmente lugar longe das suas fronteiras, o que lhes permite alguma preservação da integridade física, mesmo no pior dos cenários. Isso explica o dramatismo que o episódio do 11 de Setembro assumiu quer na sua memória histórica quer na sua identidade enquanto povo.

O velho continente, experiente em combates transfronteiriços e suas consequências em matéria de destruição física, tem obrigação de ser mais consciente da importância de preservar e de criar, se necessário, instituições que assegurem a ordem económica e política internacional. Este entendimento esteve aliás na origem da integração económica europeia.

O projeto europeu tem sobrevivido graças a uns visionários que reconhecem o papel que as instituições podem desempenhar na instauração da confiança internacional. O que acontece agora nas fronteiras da Europa exige o mesmo tipo de discernimento.

Resta a questão: perante o cenário chocante que se vive em Cabul, terá a Europa a mesma capacidade de responder aos novos desafios políticos com a experiência que se manifesta na sua História económica?