Donald Trump assumiu a presidência dos EUA com um discurso de posse em que anunciou o início de uma “era de ouro da América”. O 47º presidente dos Estados Unidos assegurou na tomada de posse que, deste dia em diante, o seu país florescerá e será respeitado novamente em todo o mundo. “Seremos causa da inveja de todas as nações e não permitiremos que tirem vantagem de nós por mais tempo.” E como o fará: prometendo a unidade. “Somos um povo, uma família e uma nação gloriosa sob Deus”.
Não foi um discurso de união nacional. Foi um discurso agressivo, de vingança e rutura. Uma declaração de força de um personagem que criou uma memecoin e se apresenta como uma espécie de enviado divino, que regressou ao cargo de presidente após tocado pela mão de Deus numa tarde da Pensilvânia ao desviar uma bala que lhe perfurou a sua orelha e lhe salvou a vida. O mesmo Trump que quer ficar conhecido na história como o “pacificador e unificador”, mas que quer expandir território e ter “o maior exército do mundo”, além de não ter descartado anexação israelita da Cisjordânia, um caminho que levou o secretário-geral da ONU a avisar no dia da tomada de posse do novo presidente dos EUA que seria “uma violação muito grave do direito internacional”.
Antecipa-se, pois, uma segunda administração Trump mais belicista a utilizar a ameaça militar para chegar à coerção económica, numa nova era pré-anunciada, a que se junta a promessa de ir até Marte. É a proclamada doutrina do Destino Manifesto, de mãos dadas com Musk até às estrelas. Uma crença de expansão do domínio americano, com novo mapa, agora de olhos postos no céu, onde Donald Trump quer colocar uma bandeira no “Planeta Vermelho”.
Não havendo o desastre, é evidente que a figura do salvador é uma falácia, tal como a prometida Idade do Ouro, o final do século XIX, foi retratada como uma era de sérios problemas sociais mascarados por uma fina e dourada revitalização económica. Quem ouve Trump dizer que, com ele, terá início uma nova Idade de Ouro dos Estados Unidos, é levado a pensar que o país experimenta a decadência, o enfraquecimento e o declínio, que perdeu a posição de maior potência mundial. Será assim? Os Estados Unidos são responsáveis, hoje, por 26% do Produto Interno Bruto (PIB) do mundo. E se há 15 anos a economia norte-americana equivalia à economia da União Europeia, hoje tem o dobro do tamanho. De acordo com dados do Banco Mundial, o PIB a preços correntes (em dólares norte-americanos) da UE era superior ao dos EUA em 2008, mais especificamente: 16,3 biliões, contra 14,7 biliões. Em 2022, porém, o PIB dos EUA superou claramente o da UE, mais especificamente: 25,4 biliões, contra 16,8 biliões.
Na energia, são autossuficientes. Produzem mais petróleo e gás do que a Arábia Saudita e a Rússia. E na tecnologia continuam a dominar sem paralelo: metade do lucro mundial do setor é gerada pelas tecnológicas dos Estados Unidos.
Ou seja, pelo menos economicamente, já há muito faz jus ao slogan de Trump de tornar a America “great again”. O declínio americano é uma fantasia do republicano que regressa à Casa Branca acompanhado de Melania e do único isolacionismo que faz sentido: o chapéu, anti beijo do presidente, que a primeira-dama usou na posse do marido.
No seu discurso de tomada de posse, Trump anunciou ao mundo outros slogans como reforçar a aposta do ‘drill, baby, drill’ e abandonar o Acordo de Paris; tomar o canal do Panamá; rebatizar o Golfo do México, que arrancou risos a Hillary Clinton; acabar com “engenharia social” no género, com a identidade sexual dos indivíduos a passar a ser definida exclusivamente pelos gâmetas que produzem; e declarar emergência nacional nas fronteiras para deportar “milhões e milhões” de pessoas. Anúncios feitos no Capitólio, onde há quatro anos uma multidão de apoiantes seus protagonizou o mais grave e violento ataque às instituições democráticas norte-americanas na história recente. Uma lista de promessas que se juntam às ameaças de Trump em anexar Canadá e tomar Gronelândia.
Igual a si próprio. Desafiou Deus e o mundo, inimigos internos e externos, vincando a velha relação conflituosa entre verdade e política sem perder de vista a retórica da sedução e do medo, mais expansionista e xenófoba que predominou no seu discurso perante uma maioria de convidados da extrema-direita mundial. E nem na hora da saída do seu antecessor deixou de apontar críticas ao governo de Joe Biden, voltando a alegar a eleição ”roubada” em 2020 e reduzindo os Estados Unidos a uma república de Trumparia, Trump e companhia, que se propõem a reconstruir.