Inocentes, ingénuos, crédulos, cândidos, iludidos… é que não são, os muitos que partilharam da tonitruante afirmação de António Costa, inclusive ele próprio, declarando repugnante o discurso do ministro das Finanças holandês repelindo as eurobonds: “A Comissão Europeia devia investigar países como Espanha, que afirmam não ter margem orçamental para lidar com os efeitos da crise provocada pelo novo coronavírus, apesar de a zona euro estar a crescer há sete anos consecutivos”.
Não, não são. Nem, certamente, apenas descobriram agora essa “repugnância” por comportamentos e posições da União Europeia (UE). Mesmo quando os cobriram com um espesso manto de silêncio e nevoeiro, quando não de amorosa e respeitável e visível cumplicidade.
Porque as coisas não começaram agora, nem agora são apenas como quer António Costa e outros, a repetição das escabrosas declarações de anterior ministro das Finanças holandês. Porque o problema não é de ministros nem de ministros holandeses. É da própria União.
Porque repugnante foi o comportamento da UE perante a agressão e destruição da Jugoslávia, com a guerra no coração da Europa, sob o comando do imperialismo norte-americano, a participação de um Estado-membro, o Reino Unido, e a activa cumplicidade de outros como a Alemanha e a França.
Porque repugnante foi todo o comportamento da UE durante a crise das ditas “dívidas soberanas” – de facto crise da libertinagem financeira que tinham promovido – particularmente para com a Grécia, mas também para com Portugal, concretizando um Pacto de Agressão com o FMI e o BCE contra os legítimos e soberanos direitos e interesses dos seus povos.
Porque repugnante foi, e é, o seu comportamento para com milhares e milhares de refugiados às portas da Europa, fugindo da guerra e da fome nos seus países, decorrentes de conflitos militares animados e incentivados por alguns dos principais Estados-membros. E o que dizer nesta matéria do sórdido negócio com a Turquia?!
Disse também António Costa: “Se algum país da UE acha que resolve o problema deixando o vírus à solta nos outros países, não percebeu bem o que é a UE”. Engano, o holandês percebeu bem demais. Há muito tempo. O que a UE não é, é o que o António Costa e outros costas nos andam a vender há tempo demais. A nós e a outros povos da Europa.
Uma UE para a solidariedade e entreajuda e convergência económica e social entre os Estados-membros, e um euro que era um pote de ouro lá onde o arco-íris toca a terra. Uma UE para a paz e a cooperação na Europa e no mundo. Nem agora nem no tempo dos celebrados pais fundadores. Nem em tempo algum.
Construção do grande capital europeu, sob o comando de algumas grandes potências, inspiração e bênção dos EUA, para o confronto com o mundo socialista que nascia e se desenvolvia no pós-guerra, a UE desnuda-se, desmascara-se sempre que as crises a atingem. A pandemia põe a nu e sublinha mais uma vez todas as imposturas de uma UE neoliberal, militarista e federalista. Sem disfarces, a UE assume a natureza da sua construção.
Não peçam aos chacais e às hienas que não chorem, nem aos lacraus que não piquem. É da sua natureza.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.