“Com leis más e funcionários bons ainda é possível governar. Mas com funcionários maus as melhores leis não servem para nada” – Otto Von Bismarck

(Ao fim de vinte anos de profissão, já me excedi algumas vezes e já aturei excessos de terceiros porque tenho sempre presente que somos todos pessoas. Concordo com algumas decisões e discordo de outras e tal nunca me fez ter menos respeito por quem julga com honestidade intelectual.

Escrevo este texto após a mais insólita experiência que tive no Juízo do Trabalho de Lisboa em que uma funcionária vestida de beca, que se diz juiz, pretendeu obrigar dois advogados e uma funcionária a não comerem, não beberem água ou não irem à casa de banho, durante cinco horas, tendo abandonado a sala aos gritos, após nos ter ordenado que fizéssemos o trabalho dela e perante a mera alusão a que devíamos parar um pouco. O que quer que ali se tenha passado, incluindo a linguagem desbragada usada pela mesma pode ter ocorrido num Tribunal mas nada tem que ver com Justiça. E isto tem que ser dito. E escrito. Tantas vezes quantas estes comportamentos se perpetuarem.)

A esmagadora maioria dos cidadãos prefere manter uma atitude de permanente mas não inteiramente fundamentada suspeita sobre os tribunais (e, já agora, sobre os advogados em concreto) do que perceber o que realmente ali se passa. É certo que, para além do mediatismo de alguns casos, aptos a transformar qualquer cidadão num juiz de caserna, ninguém se preocupa realmente com a Justiça, parente pobre de outros pilares do Estado.

O que a maior parte das pessoas desconhece é que também na Justiça, vivemos, há muito, para a estatística, reduzindo tudo a números numa folha de excell. O que passou a interessar não é a substância mas a forma, o resultado final não importa os meios usados, o lugar num ranking qualquer cujas regras ninguém controla.

No meio disto e muito vezes com aplauso público, os juízes são instados a matar processos, consistindo a sua avaliação numa métrica de processos despachados (não interessa como, nem porquê…) e os advogados são continuamente desconsiderados, bastas vezes porque se limitam a defender o interesse dos seus clientes e, como tal, são vistos como um estorvo.

Nunca é demais realçar que a culpa do estado a que isto chegou é partilhada com uma Ordem dos Advogados que nunca foi tão inoperante, quer na defesa dos seus representados, quer na dos direitos dos cidadãos. Para além de terem sido a única classe profissional sem qualquer apoio em época de Covid, os advogados habituaram-se (e justificadamente) a olhar para a sua Ordem como um aglomerado de pessoas que se candidata por motivos estranhos ao exercício do cargo, incluindo ajustes de contas pessoais, e que, na prática, se nada fizerem já não é mau.

Entendamo-nos: a Justiça é um dos pilares do Estado de Direito, não obstante a maior parte das pessoas disso só se aperceber quando a mesma lhe falha. E entendamo-nos também: um juiz que só se preocupa em julgar rápido não honra a beca que enverga porque a celeridade processual que todos queremos não se confunde com a excitação que muitos demonstram em despachar a todo o transe, para com tal almejarem a sua própria promoção.

Por seu turno, uma Ordem dos Advogados quieta, afastada dos Advogados e dos cidadãos é uma instituição inútil, que para nada serve para além de nos enviar contas de actividades dos seus membros que nunca pretendemos que existissem.

No final do dia, sendo verdade que se perdem bons Juízes porque não aceitam o jogo da estatística cega e que muitos competentes advogados desistem da profissão por se ter tornado insustentável a vários níveis, quem verdadeiramente perde é o cidadão. Um país sem Justiça não é, sequer, uma nação mas apenas um sítio mal frequentado. E, como toda a gente sabe, é nos locais duvidosos que os direitos são mais atropelados.

Podemos achar que nunca será connosco até ao dia em que o seja. E, nesse dia, tudo o que o cidadão deve exigir são Juízes a sério e Advogados sem medo, em qualquer dos casos e fruto do estado a que chegámos, espécies em vias de extinção que merecem apoio. Se não da sua Ordem e, menos ainda, do Governo, pelo menos das pessoas que pedem Justiça. Este é o meu repto.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.