Depois de ter sido avançado esta sexta-feira pelo jornal Observador que o Grupo Media Capital (GMC) estaria em conversações para avançar com a compra da Cofina, a Comissão dos Mercados e Valores Mobiliários (CMVM) suspendeu a negociação das ações dos dois grupos de media, ambos cotados na bolsa lisboeta.
A possibilidade de um negócio do género, que ditaria a concentração de dois dos maiores grupos de comunicação portugueses, não é nova e está na mesa desde, pelo menos, 2019. O Jornal Económico explica-lhe o que aconteceu desde então e que efeitos poderá ter um negócio entre dois dos maiores grupos de comunicação social do país.
O que aconteceu esta sexta-feira, 3 de março?
A Media Capital – grupo detentor da TVI e da CNN Portugal – estará em negociações para avançar com a compra da Cofina, empresa que detém, entre outros, o Correio da Manhã e o respetivo canal, CMTV, bem como a revista Sábado. A notícia foi avançada esta sexta-feira pelo jornal Observador, e dá conta de que o grupo de Queluz de Baixo fez avanços nas últimas semanas para concretizar o negócio.
Como reagiu a Cofina à notícia desta sexta-feira?
O grupo rejeitou que estejam a ser mantidas conversações com a Media Capital no sentido de uma aquisição, mas deixa a porta entreaberta. Num comunicado enviado à CMVM, a Cofina diz que “avalia em permanência todas as oportunidades de negócio que possam valorizar os seus ativos, numa perspetiva de compra ou de venda”.
E mais: a empresa adianta que “foram realizadas abordagens preliminares por diversos assessores externos, com vista a encetar possíveis negociações, que estão a ser objeto de análise pela sociedade”. Contudo, o grupo diz que à data não existe “qualquer decisão ou conversações, entre a Cofina e, nomeadamente, a Media Capital ou os seus acionistas, relacionadas com a matéria da referida notícia”.
E o que diz a Media Capital?
Praticamente o mesmo. Depois de ter sido instada pela CMVM a prestar esclarecimentos, a GMC diz que, tal como todas as empresas do sector dos media, “está atenta e disponível para analisar oportunidades de negócio que possam surgir” mas que, além disso, “nada existe de relevante”, nomeadamente sobre uma hipotética OPA sobre a Cofina.
No fundo, tanto de um lado como do outro, não se confirmam negociações, mas também não se desconfirma interesse em retomar as conversas iniciadas em 2019.
Aliás, nem poderiam dizer outra coisa. Ambas as entidades têm deveres de informação à CMVM e, como nenhuma delas o fez, só poderão afirmar que “nada existe de relevante”. Se existisse, já teria de ter sido comunicado antes desta sexta-feira. Caso contrário, estariam a contrariar as regras do mercado e poderiam enfrentar punições por isso.
O que aconteceu no mercado?
O que acontece sempre que algo desta natureza é comunicado. A CMVM decidiu suspender a negociação das ações em bolsa, tanto da Media Capital como da Cofina, em reação à notícia.
A decisão não é de estranhar e é recorrente sempre que são necessárias informações que o regulador considere relevantes para o mercado. Isto acontece porque qualquer acordo entre as duas empresas terá de ser comunicado publicamente e, eventualmente, passar por uma OPA, no caso de existir uma mudança de controlo ou a compra de uma posição igual ou superior a 33,3% (um terço do capital).
É a primeira vez que este negócio é proposto?
Não. Em boa verdade, a notícia avançada hoje revela uma alegada reviravolta na mesa de negociações. O processo negocial já esteve em cima da mesa e quase a concretizar-se entre 2019 e 2020, mas na altura era a Cofina que pretendia comprar a Media Capital à Prisa.
Há quase quatro anos, mais concretamente a 14 de agosto de 2019, o semanário Expresso noticiou a intenção de concentração por parte da Cofina, liderada por Paulo Fernandes, que já estaria em negociações com a Prisa para a compra da Media Capital. A intenção da Cofina seria de “ganhar escala”, tal como apurou o Jornal Económico nessa altura. O apetite do grupo detentor do Correio da Manhã pelo grupo de Queluz não é, também, novidade.
O negócio esteve mesmo quase a avançar em setembro desse ano, depois de um acordo entre as partes que avaliava a operação em 255 milhões de euros, muito abaixo da anterior proposta de venda do GMC à Altice por mais de 400 milhões — que mereceu chumbo da Autoridade da Concorrência (AdC) e descontentamento do Governo.
A Cofina até chegou a confirmar ter financiamento, através de “crédito bancário já aprovado” concedido pelo Santander e pelo Société Générale, e de um aumento de capital que se veio a tentar em 2020.
Por que não se concretizou então a operação?
Depois de aprovadas as primeiras instâncias, a concorrente SIC lançou uma investida sobre a estação de Queluz e seguiu-se uma ‘guerra de contratações’ entre os canais. As assembleias gerais da Cofina e da Prisa aprovaram o negócio no final de janeiro de 2020 e, em fevereiro, o JE noticiava que apesar da aquisição estar encaminhada, sobressaiam questões quanto ao rumo das direções administrativas e editoriais.
A 17 de fevereiro desse ano, a Cofina teve ‘luz verde’ da CMVM para aumentar o capital em 85 milhões de euros, mas fechado o prazo a 10 de março, a operação não teve sucesso e, consequentemente, a compra da Media Capital ficou sem efeito porque faltavam cerca de 2,86 milhões de euros para a concretização do aumento de capital. No dia seguinte, a Prisa confirmou que pretendia acionar medidas contra a Cofina “por violação do contrato de compra e venda” ao desistir do aumento de capital previsto “sem aviso prévio”.
Por esta altura, todas as portas para um possível negócio parecem firmamente encerradas, com a Prisa a rejeitar novas negociações para a venda da Media Capital.
Mas o empresário Mário Ferreira, que estava na calha para auxiliar o aumento da capital da Cofina, assegurou negociações exclusivas até maio para comprar 30,22% da Media Capital, operação que conseguiu concluir por 10,5 milhões de euros. O dono da Douro Azul tornou-se assim o segundo maior acionista do GMC, mantendo a Prisa a maioria das ações (64,47%). Poucos meses depois, reduziu a sua participação na Cofina para menos de 2%.
Tudo parecia encaminhado para um não-negócio, mas em agosto de 2020, um ano depois da primeira investida, a CMVM autorizou a Cofina a lançar uma OPA sobre 100% do capital da GMC, que avaliava a empresa em 130 milhões de euros. A Dona da TVI rejeitou o valor da OPA por considerar o mesmo baixo e “inadequado”. O negócio caiu por terra.
O que diz a ERC, a Autoridade da Concorrência e outros reguladores?
Não é tanto o que diz, mas o que já disse. Para já, nada, uma vez que não se confirma oficialmente por parte das duas empresas uma intenção de avaliar o negócio. Contudo, se as negociações de 2019 e 2020 forem retomadas, é de esperar uma posição por parte dos dois reguladores e, eventualmente, da Anacom.
Recorde-se que a 30 de outubro 2019, o Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) decidiu que não se iria opor à operação de concentração da Cofina e da Media Capital. Dentro do espectro da sua atuação, o regulador do sector dos media e comunicação concluiu que não existia, nas entrelinhas da operação, qualquer facto que colocasse “em causa os valores do pluralismo e da diversidade de opiniões” – que é, no fundo, o que a ERC tutela.
Também a Anacom aprovou logo em novembro desse ano a possibilidade, dizendo que não existiam “questões concorrenciais”.
Nessa data, o parecer da ERC foi remetido para a Autoridade da Concorrência (AdC), que veio dar ‘luz verde’ ao negócio só no final de dezembro de 2019. Mas não era tudo preto no branco, já que existiam pontas soltas, elencadas pelos grupos concorrentes e pelas operadoras de comunicações elétronicas. De um lado, os grupos de media demonstravam preocupação quanto a uma “restrição da concorrência efetiva” e as operadoras referiam um possível cenário de posição dominante no mercado publicitário televisivo.
A realizar-se, qual será a quota combinada do mercado publicitário?
Segundo posições tomadas pela Altice no projeto de decisão de não-oposição da AdC, datado de 2019, a concentração da Cofina/Media Capital resultaria numa quota do mercado de publicidade televisiva que ultrapassaria os 40%. A operadora considerava que não se excluía “a possibilidade de criação de uma posição dominante”.
Além da Altice, também a NOS, Vodafone Portugal, Impresa e Global Media Group mostraram ser partes interessadas nos efeitos da operação.
O grupo Cofina detém, além do Correio da Manhã e da CMTV, os jornais Record, Jornal de Negócios e Sábado, entre outros títulos.
Por sua vez, a Media Capital detém a CNN Portugal e as empresas do universo TVI – Internacional, Ficção, Reality e a Plural Entertainment, bem como participações significativas nos portais IOL, MaisFutebol, Selfie e na editora FAROL. Deteve, até à venda ao grupo alemão Bauer Meida em maio de 2022, a Media Capital Rádios – Rádio Comercial, M80, Cidade, Smooth FM e Vodafone FM.
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