Os primeiros meses depois do anúncio das primeiras vacinas, recebidas com natural euforia pela esperança que encerram em si, têm, contudo, sido marcados por diversos impasses.

Logo à partida, os problemas de logística industrial ou nos serviços de saúde têm originado atrasos nos planos de distribuição das vacinas. Por outro lado, o surgimento de novas estirpes de Covid-19 levantam receios de ver diminuída a eficácia das vacinas e de prolongar as medidas restritivas para além da primeira metade do ano, levando à necessidade de maiores restrições e atrasos nas expectativas de recuperação económica. Estas poderão, muito rapidamente, refletir-se nos mercados financeiros internacionais, trazendo volatilidade e reajustamento de expectativas para o consumo privado e decisões de investimento.

Por último, as situações de vacinação indevida trazidas a público em Portugal condicionaram a confiança popular no que diz respeito à transparência do processo de vacinação em massa – e que trouxe consequências políticas, com a substituição do coordenador nacional do processo de vacinação.

Para países que se encontram na situação de Portugal, manter a coesão entre o Estado e os cidadãos será crucial para ultrapassar os próximos meses. Como defendi anteriormente neste espaço, em “A janela do diabo” , o processo de saída da pandemia vai ser desigual, desequilibrado e com cicatrizes profundas e duradouras para países mais expostos e fragilizados como o nosso.

Portugal tem menor capacidade de resposta orçamental própria que os demais países europeus (a terceira resposta fiscal mais baixa da União Europeia em termos de peso do PIB, com um valor abaixo dos 3%) de acordo com o boletim económico do Banco Central Europeu de janeiro, e deverá continuar a registar um dos comportamentos mais frágeis nos países desenvolvidos durante 2021.

Aliás, de acordo com o relatório de inverno da Comissão Europeia, a economia portuguesa será aquela que mais vai contrair (-2,1% em cadeia) durante o primeiro trimestre do ano no bloco europeu – facto que está relacionado com o significativo peso que o Turismo tem em Portugal e, consequentemente, com o tempo que levará a restaurar a confiança a nível internacional para se voltar a viajar sem restrições, e sobretudo a restaurar a confiança dos turistas internacionais no país.

Apesar das dificuldades e de a recuperação ser claramente um processo desigual, uma vez que o acesso das vacinas é diferente entre os países –  e de prejudicar os que são dependentes de sectores mais ligados à mobilidade e ao Turismo – as expectativas continuam a apontar, no que diz respeito ao braço de ferro entre esforço de vacinação e obstáculos, para que a primeira saia por cima nas principais economias mundiais, durante os primeiros meses do ano.

Ou seja, as novas estirpes do vírus não deverão prejudicar de forma significativa as taxas de sucesso das vacinas já aprovadas, e mesmo com algumas dificuldades pelo caminho, a fase de distribuição das vacinas deverá prevalecer de forma suficiente para que se comecem a retirar restrições de mobilidade, sobretudo durante o segundo trimestre.

No que respeita a Portugal, dificilmente o processo de vacinação em curso conseguirá repor a tempo condições para uma época turística ao nível de 2019, uma vez que o calendário aponta para que o processo apenas atinja as metas completas de vacinação no final do verão. Mas ainda será possível  restaurar confiança suficiente para que a segunda metade do ano seja isenta de novos confinamentos e promotora da recuperação económica.

Restaurar confiança no processo de vacinação é, pois, a principal variável para evitar rutura social e económica em Portugal.