A atual gestão da floresta para a prevenção de incêndios em Portugal, apesar de ter melhorado nos últimos anos, ainda está longe de ser sustentável tanto do ponto de vista económico, como social e ambiental.
Esta afirmação é reforçada por um olhar regressado há dias das serras do norte do país. O que se vê são milhares de hectares de área recentemente ardida; extensões ininterruptas de floresta jovem que regenerou após o fogo, mas sem valor comercial, e, ao mesmo tempo, sem interesse para conservação por se tratar de áreas dominadas por espécies exóticas; e, pontualmente, nos vales, alguns redutos do tradicional sistema agro-silvo-pastoril, ou seja, paisagens com parcelas de agricultura interrompidas por áreas de pasto e de floresta autóctone.
Os ciclos recorrentes de incêndios, cada vez maiores em área e intensidade, levam a mais abandono do território rural que, não sendo gerido, potencia mais incêndios de grandes dimensões. As paisagens passam a ser dominadas por uma grande continuidade de elevadas cargas de combustível, na maior parte das vezes com espécies de crescimento rápido como o eucalipto e o pinheiro-bravo, paisagens homogéneas potenciadoras do risco de incêndio, em contraste com o mosaico heterogéneo dos sistemas agroflorestais, com baixa densidade de árvores e com culturas agrícolas ou pastagens.
Apesar da relevância económica das plantações destas espécies com rápido crescimento – só o eucalipto equivale a 1,2% do PIB –, a sustentabilidade deste tipo de floresta implica investir adequadamente na sua gestão para assegurar a sua rentabilidade a longo prazo, e reduzir o risco de incêndio.
Para quebrar este ciclo de grandes incêndios é preciso alterar a composição e a estrutura da paisagem. Uma das formas é reduzindo a área florestal reconvertendo o uso do solo (a floresta ocupa 36%), nomeadamente pelo aumento da área agrícola e introdução de herbivoria, com incentivos à valorização da agricultura mais sustentável e do pastoreio extensivo, práticas essenciais para a manutenção de habitats e conservação da biodiversidade, que também podem contribuir para o dinamismo económico das áreas rurais. Através do planeamento e gestão, consegue-se criar um território mais coeso e resiliente aos incêndios.
Estes mecanismos, conjugados com a Lei Europeia do Restauro da Natureza, permitem recuperar as funções das florestas na regulação do clima, privilegiar diferentes espécies e idades, e evitar a perda de áreas de alto valor ecológico, prioritárias para a conservação da natureza. A aprovação da Lei do Restauro é da mais elementar importância, tendo em conta que, só em 2023, a Europa sofreu prejuízos de mais de 13.400 milhões de euros devido a fenómenos meteorológicos extremos, como ondas de calor e, no mesmo ano, a área ardida na Europa ascendeu aos 500.000 hectares.
O restauro ecológico, que consiste em intervenções no terreno para promover a recuperação de habitats e espécies, tem um grande potencial para a prevenção dos incêndios. Por um lado, as ações podem ser orientadas para a redução do perigo de incêndio, reduzindo a densidade da vegetação e com isso a propagação de eventuais fogos. Por outro lado, podem reduzir as perdas de capital natural após incêndio, estabilizando o solo e promovendo a regeneração natural de espécies autóctones adaptadas ao fogo.
Apenas uma ação coletiva e preventiva, com intervenção na paisagem que combine recuperação de áreas produtivas, restauro de habitats e conservação da biodiversidade pode assegurar que não se mantenha o ciclo dos grandes incêndios.