Constitui uma raridade os políticos que apreciam ser confrontados em público e em direto pelas suas decisões. Em democracia tal deve ser uma exigência e uma inevitabilidade para compreensão e justificação das suas decisões.
O escrutínio do primeiro-ministro constitui uma das manifestações mais relevantes do exercício da democracia. Contrapor a opinião do executivo que dispõe de iniciativa política é vital para o esclarecimento público e fixa, ao mesmo nível, a fiscalização do Governo e a representação dos eleitores.
A tradição de contrapor o poder constitui um dos pilares da democracia parlamentar. A casa da democracia, onde se exerce a tarefa de fiscalizar ministros e secretários de Estado, não se limita a carimbar as opções governamentais. Mesmo em situações de maioria absoluta, o dever de prestar contas ao Parlamento e a obrigação de ali estar presente constitui uma decorrência da responsabilidade política dos deputados.
O Governo depende politicamente do Parlamento e não o oposto. Compete aos seus membros responder pelas políticas e estratégias de condução setorial. E o corolário da responsabilidade política é a resposta no Parlamento do chefe do governo. Não apenas em momentos solenes de apresentação do programa do Governo ou do orçamento, mas sempre que o Parlamento entender.
Durante anos os governos ensaiaram subtrair-se a esta responsabilidade. Porque não se queriam expor. Porque dominando o palco da política jogam ao ataque e não à defesa, como quando têm de se submeter ao escrutínio sem rede. A experiência de mais de uma década dessa opção permitiu que em muitos debates parlamentares os governos tenham sido submetidos a provas difíceis, e que motivam a preparação para respostas a questões relevantes e controversas.
António Costa qualificou este tipo de debate como ridículo. Passos Coelho, primeiro-ministro, nunca receou justificar-se no Parlamento e viu ainda alargada a sua presença, para apresentar as opções europeias em debate específico, agora igualmente posto em causa.
O poder atual confrontado com este modelo de presença parlamentar escolhe esconder-se, para não se justificar. Porque é mais fácil fazer conferências de imprensa sem contraditório, do que esgrimir argumentos para se defender. Não constitui grande conforto para o aprofundamento da democracia e põe em causa o exercício da função parlamentar e de responsabilidade política perante a Assembleia da República. Para o PS e para o Governo, falar sem conceder, é mais simples do que responder perante o país.
O Parlamento dispõe de uma irrefutável legitimidade política que deriva da sua eleição direta em sufrágio universal, representando os eleitores em toda a sua dimensão. Não deve alienar as formas de exercício desse poder, deixando de confrontar a partir do topo o poder que proporciona constitucionalmente ao Governo. Restringir essa oportunidade é negar, de forma relevante, o poder conferido pelo eleitorado.
Os grandes estadistas foram forjados na oposição, pelo confronto, pelo debate e pela audácia política. Os que se furtam a tal não ficam nas páginas da história.