Um pai, uma mãe e os seus cinco filhos encontram-se num cenário idílico, num lago rodeados por montanhas. Falam em alemão e regressam a uma casa enorme e maravilhosa, onde a harmonia familiar é a marca dominante. Mas existem sinais perturbantes: ele é um oficial com patente militar elevada, as conversas entre as mulheres aludem a roupa que roubaram a mulheres judias, há um som constante de máquinas a afogar e a ocultar algo, mas o quê?
Ele é o comandante do campo de concentração Auschwitz, que vive com a família numa casa ao lado, rodeada de muros. Mas não se julgue que desconhecem a realidade. Ouvem os gritos e tiros, sentem o cheiro acre no ar, observam os fumos e as cinzas que invadem o rio. Mas o pior são as conversas casuais sobre o roubo de prisioneiros e a orquestração de extermínio em massa.
Eis uma breve descrição de um dos filmes nomeados para os Óscares, “A Zona de Interesse”, do realizador Jonathan Glazer, uma adaptação (muito) livre de uma obra de Martin Amis. Mas será possível apresentar uma nova obra sobre o Holocausto, entre inúmeros filmes, que ainda consiga deixar o espetador sem respiração e assombrado pelos acontecimentos? Sim, basta assistir a este filme.
É um dos retratos cinematográficos mais subtis e devastadores sobre o Holocausto, cujo horror é transmitido através do quotidiano de uma família alemã nazi, que poderia ser igual a tantas outras. Apenas uma das personagens se sente realmente incomodada e decide fugir em silêncio daquela existência grotesca ao lado de um campo de extermínio. A matriarca permanece indiferente.
Numa notável interpretação da atriz Sandra Hüller, a esposa do oficial está satisfeita com o estatuto social que alcançou, recusa abandonar a casa e partir com o marido para um novo posto numa nova cidade, é cruel com as empregadas, demonstra uma frieza e falta de empatia arrepiantes e o espetador sufoca perante a normalização do mal.
Ainda assim, há uma luz no meio daquela escuridão. Durante a noite, uma jovem polaca esconde maçãs no terreno onde os prisioneiros estão condenados a trabalhos forçados. Há uma resistência em curso, mesmo quando a banda sonora não nos deixa esquecer o tormento de almas.
Apesar de pouco falado para os Óscares, “A Zona de Interesse é o filme que todos devemos ver neste momento crucial da história, em que os defensores de ideologias nacionalistas do passado planeiam derrubar democracias e arquitetar uma nova ordem global.