O resultado das eleições legislativas, do passado domingo, marcaram uma viragem histórica na política portuguesa. Pela primeira vez desde o 25 de Abril, a possibilidade de uma revisão constitucional deixou de depender do tradicional bloco central — PS e PSD — e passou a estar nas mãos de uma maioria parlamentar à direita, composta pela AD, Iniciativa Liberal e Chega. Com 156 deputados, este novo alinhamento detém os dois terços necessários para alterar a Constituição da República Portuguesa. É uma oportunidade!
Entendo que a Constituição, enquanto garante dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, não deve ser objeto de revisões apressadas ou motivadas por interesses conjunturais. A sua estabilidade é um pilar essencial da confiança nas instituições democráticas e a última revisão constitucional foi há 20 anos e teve como propósito permitir a realização de referendos sobre tratados que visem a construção e o aprofundamento da União Europeia.
Considero que estamos perante uma oportunidade, porque a Constituição deve ser um documento vivo, capaz de se adaptar aos desafios contemporâneos. E, talvez, esta seja uma oportunidade rara para repensar a estrutura e o conteúdo da nossa Lei Fundamental. Portugal poderá beneficiar de uma Constituição mais curta, mais clara e mais moderna — uma Constituição que, sem abdicar dos seus princípios fundacionais, esteja preparada para os desafios do século XXI: a transição digital, as alterações climáticas, a inteligência artificial, a proteção de dados, a sustentabilidade das finanças públicas e a reforma do Estado.
Estou certo de que haverá muitas reservas sobre uma revisão constitucional. Aliás, o mais provável é levantarem-se as usuais “vuvuzelas de esquerda” contra qualquer mexida na Constituição.
Mas será que existe o risco real de uma revisão constitucional orientada por agendas ideológicas radicais? Penso que não. A Constituição não pode ser usada como instrumento de revanche política ou de imposição de visões extremadas. Qualquer alteração deve ser fruto de um amplo consenso nacional, envolvendo não apenas os partidos com representação parlamentar, mas também a sociedade civil, os académicos e os órgãos de soberania.
Defendo, sobretudo, uma revisão constitucional que expurgue os elementos ideológicos que estão datados no tempo e, também, que tenha a virtude de agregar os portugueses em torno da Lei Fundamental do País. Para isso, é mandatório que a maioria de direita esteja disponível para receber os contributos da esquerda, designadamente do Partido Socialista.
Neste contexto, impõe-se reconhecer a grande oportunidade política e histórica que se abre ao PSD e ao CDS, designadamente para Luís Montenegro. O líder da AD tem agora a possibilidade de inscrever o seu nome na história democrática portuguesa como o estadista que liderou, com equilíbrio e visão, uma revisão constitucional estruturante para o País. Acredito que Luís Montenegro com uma liderança firme, dialogante e inclusiva — capaz de unir, e não dividir – possa ser o rosto de uma reforma que modernize o país, reforce a confiança nas instituições e projete Portugal para o futuro.
No caso da direita, a Iniciativa Liberal tem defendido uma revisão que permita maior liberalização económica, redução do papel do Estado e reformas no sistema judicial. Já o Chega tem proposto alterações mais controversas, como a revisão do sistema de justiça penal, o reforço da autoridade policial e mudanças no sistema eleitoral. A AD, por sua vez, poderá funcionar como um moderador entre as várias visões à esquerda e à direita. Tenho a certeza de que o CDS poderá ter um papel muito importante neste processo de revisão constitucional, impondo fronteiras de matriz democrata-cristã com maior pendor humanista e social.
Por outro lado, esta maioria também pode representar uma oportunidade para corrigir disfunções do sistema político, como a ineficiência legislativa ou a falta de transparência em certos processos institucionais. Uma revisão bem conduzida pode reforçar a democracia, modernizar o Estado e aproximar os cidadãos da política.
O desafio está lançado. Na minha opinião, o processo de revisão constitucional deve começar já, porque será necessário o tempo para a apresentação de propostas, o período para debate sobre as mesmas e posteriormente a construção de consensos.
A revisão constitucional não pode ser um exercício de poder, mas sim um compromisso com o futuro de Portugal — um futuro que exige uma Constituição mais leve, mais ágil e mais sintonizada com o nosso tempo.