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“Revisão do Código da Propriedade Industrial deve ter uma perspetiva futurista”

A advogada e agente oficial de PI Márcia Martinho Rosa alerta, em entrevista ao JE, para a necessidade de incluir a visão das empresas na reforma do CPI e defende a revisão dos GAPI, gabinetes de transferência de tecnologia das universidades.
22 Novembro 2024, 10h00

No rescaldo da Web Summit, um dos maiores palcos da inovação em Lisboa, a advogada e agente oficial da Propriedade Industrial Márcia Martinho Rosa enaltece os efeitos benéficos para a lusofonia que terá o futuro modelo de linguagem (L.L.M.) made in Portugal. Em entrevista ao Jornal Económico, alerta ainda para a necessidade de incluir a visão das empresas na reforma do Código de Propriedade Intelectual e defende a revisão dos GAPI, gabinetes de transferência de tecnologia das universidades.

Na semana passada, foi anunciado o plano de lançamento de um ‘ChatGPT’ português. Que preocupações em termos de Propriedade Intelectual (PI) devem ser tidas em conta?

A PI no contexto da Inteligência Artificial (IA) exige uma revisão profunda das leis existentes, a criação de novos mecanismos regulatórios e um debate ético sobre como equilibrar a proteção dos direitos dos criadores humanos e a inovação gerada pela IA. As principais preocupações incluem questões ligadas à autoria e titularidade, direitos autorais, patentes, riscos de usurpação de direitos de autos e cópias ilegais, uso de dados, licenciamento e reprodução de obras geradas por IA, impacto sobre a criatividade humana e a necessária adaptação das leis face ao desafio da IA, sempre com respeito pelos Direitos Humanos.

Louvo a promoção da língua portuguesa nesta nova tecnologia, porque, tendo nós um potencial de pelo menos nove países (idioma oficial), devíamos cada vez mais apostar na promoção e divulgação da língua portuguesa, aliando uma estratégia de demonstrar ao exterior o que de bom e único Portugal tem. Temos um potencial agregador que é a língua portuguesa e ela não é defendida, promovida e divulgada como deveria ser.

O INPI divulgou, na semana passada, os dados de PI até outubro. Que leitura faz à explicação destes pedidos e concessões de direitos a nível nacional?

Embora os números tenham crescido, com exceção ao número de objetos incluídos nos pedidos de Design, que decresceu, entendo que esta realidade fica aquém do ideal no que concerne à proteção dos ativos das empresas portuguesas, como as marcas, desenhos e modelos e patentes. É necessário olhar para as empresas e perceber do que precisam, para proteger mais o que produzem, e o que de bom possuem, que por vezes as próprias empresas desconhecem. Espero que exista, a breve trecho, uma verdadeira política industrial para o nosso país, para as empresas que ainda não desistiram, sob pena de nos reduzirmos a um país de serviços e turismo. Portugal precisa de ter uma verdadeira política de promoção, divulgação e efetivação da proteção da PI em todas as empresas.

No OE2025 consta que o Governo promoverá a revisão do atual CPI para “alinhar o sistema português de Pl com as melhores práticas internacionais” e “implementará iniciativas de promoção da PI”. Acha que a revisão do código é necessária neste momento?
Necessária sim, mas pouco audaz também. Para que as empresas portuguesas iniciem e acelerem o processo de industrialização, esta revisão deveria ter uma perspetiva futurista e não conservadora. A abordagem devia ser ir às empresas e não apenas limitar-se a pequenas alterações preparadas por juristas e agentes oficiais da PI para porem e disporem a seu belo prazer do sistema. A realidade empresarial devia refletir com o Estado para perceber o que as nossas PME precisam, que está muito longe do que esta reforma (ou espécie) anunciada vai apresentar. Parece-me que resumir-se à transposição de diretivas e recomendações da União Europeia, descurando realidades nacionais e novas tecnologias, é uma oportunidade desperdiçada.

E a nível de iniciativas, quais gostaria de ver implementadas?
Entre os aspetos essenciais que entendo devem ser regulados, apresentados, alterados, debatidos e colocados em consulta pública, destaco incentivos fiscais e atração de empresas tecnológicas para o país. Em termos internacionais, o nosso país é visto como um polo tecnológico e de atração de talento, com o programa dos nómadas digitais, que deve ser revisto. Uma revisão do regime de taxas e a exigência de um plano de incentivos e proteção à PI transversal a toda a economia deveria ser feita, tendo como bom exemplo o fundo SME do EUIPO. Deveria também ser revista a política fiscal e de imigração nesta matéria e criados novos incentivos ou benefícios fiscais para as empresas que protejam os seus direitos de PI, os seus segredos de negócio.

Os GAPI, gabinetes de transferência de tecnologia das universidades, devem ser repensados. É essencial que o conhecimento que é desenvolvido e criado nas universidades seja levado às empresas e que as empresas vão buscar conhecimento às universidades. Esta sinergia, pura e simplesmente, não funciona atualmente, o que é lamentável. O Estado investe milhões em I&D nas universidades que ficam na gaveta e poderiam fazer a diferença em muitas empresas e iniciar um processo de reindustrialização.

Um ano e meio após a entrada em vigor da patente unitária e do Tribunal Unificado de Patentes, como analisa esta mudança, inclusive no trabalho de um agente oficial de PI?

Sou uma defensora acérrima do sistema da Patente Unitária e do Tribunal Unificado de Patentes. O balanço é francamente positivo e todas as empresas que têm patentes, com as quais contacto, aderiram. Este sistema da Patente Unitária é mais simples e mais económico para proteger as invenções na Europa. As empresas poderão usar o novo Sistema da Patente Unitária para proteger as suas invenções em 18 Estados-Membros da União Europeia e usar o Sistema da Patente Europeia para os Estados-membros que, infelizmente, ainda não aderiram, como a nossa vizinha Espanha. Juntamente com o Tribunal Unificado de Patentes, oferece um sistema centralizado e menos complexo de resolução de litígios, oferecendo uma maior segurança jurídica.

Criou a MMR Legal Services em 2022. Com mais um ano de atividade prestes a terminar, que balanço faz dos resultados da empresa?

É um sonho concretizado, portanto o balanço não poderia ser melhor. Exercer em prática individual pode trazer enormes desafios, mas também tem inúmeras vantagens. Neste momento, não trocaria por outra realidade. A MMR Legal opera em regime de outsourcing em várias áreas, com a colaboração de vários profissionais, com a oferta de serviços que englobam a PI, societário, comunicação social, imigração, imobiliário, laboral, contratos entre outras áreas. Além do trabalho propriamente dito, temos dinamizado várias áreas, através de iniciativas empresariais, por exemplo. E ainda nos sobra tempo para apoiar juridicamente, em regime de pro bono, diversas instituições.

Prevê reforçar a equipa ou criar outras unidades de negócio? Qual o plano estratégico para 2025?

O segredo é alma do negócio. As empresas portuguesas não protegem os seus segredos e know-how, mas nós protegemos. Relativamente à criação de outras unidades de negócio no nosso escritório, já existem, não obstante 80% da nossa faturação incidir sobre a PI. O plano estratégico para 2025 será expandir, em termos de clientes, áreas, escritórios e colegas.

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