Apesar de a “Guerra ao Terror” ter sido relegada para segundo plano no leque das preocupações securitárias de Washington, as consequências nefastas desse projeto aventureiro para a Europa e para o mundo impedem-nos de o varrer para debaixo do tapete, fingindo ter sido uma nuvem passageira que o vento levou.

Iniciou-se com a invasão do Afeganistão por uma coligação internacional liderada pelos EUA, em resposta aos acontecimentos do 11 de setembro de 2001. Independentemente da opção de invadir o Afeganistão poder não ter sido a mais adequada para eliminar a Al Qaeda, uma organização terrorista com pretensões globais, que utilizava o território afegão como santuário, a verdade é que a “Guerra ao Terror” serviu de pretexto para os EUA intervirem ou apoiarem intervenções militares em locais que não tinham nada a ver com ataques terroristas contra interesses norte-americanos, e globalizou-se.

O caso mais gritante terá sido, porventura, a invasão do Iraque em março de 2003, um país que não albergava organizações terroristas, sob o falso pretexto das armas de destruição massiva. Não se seguiu o Irão porque as operações militares no Afeganistão e no Iraque complicaram-se, tornando-se um pesadelo. Um dos promotores da globalização da “Guerra ao Terror” foi o laureado com o Nobel da Paz e presidente dos EUA Barack Obama. Durante a sua presidência “deixou de haver limitações de espaço ou de tempo para conduzir operações de contraterrorismo”. Um exemplo disso, foram os designados “targeted killings” recorrendo a drones.

A “Guerra ao Terror” tornou-se uma razão para justificar quase tudo. Nas sociedades liberais, a “Guerra ao Terror” serviu de pretexto para justificar ataques aos direitos cívicos e a ingerência abusiva nas vidas privadas dos cidadãos, que se tornaram mais recetivos a abdicar dos seus direitos em prol de políticas demagógicas. A vigilância dos cidadãos aumentou significativamente. A “Guerra ao Terror” tornou-se uma poderosa manobra de desinformação com o objetivo de manipular as atitudes e os comportamentos da população, através da instalação de uma cultura do medo, inibidora de dizer que o rei vai nu.

A principal “anomalia” do conceito foi assinalada pelo insuspeito Brzezinski, quando afirmou que a “Guerra ao Terror” “não definia “um contexto geográfico nem presumíveis inimigos”, acrescentando que “o terrorismo não é um inimigo, mas uma técnica de fazer a guerra”. Perante tamanha fragilidade concetual, não se pode deixar de assinalar a forma passiva como foi aceite sem incomodidade no espaço europeu. Surpreendentemente, tamanha aberração não levantou grandes interrogações, nem provocou desconforto na maioria das chancelarias europeias.

A Europa continua a sofrer na pele as consequências desse aventureirismo. A invasão do Afeganistão e do Iraque, entre outras intervenções militares inseridas no conceito de “Guerra ao Terror”, foi responsável pelo tremendo surto migratório, que nos últimos anos tem vindo a assolar as fronteiras da Europa, contribuindo para a afirmação de políticos populistas e o avanço da extrema-direita.

Terá faltado a coragem para se dizer que por detrás da narrativa da “Guerra ao Terror” estava um projeto com desígnios geopolíticos e geoeconómicos, orientado para alargar e consolidar a hegemonia global dos EUA, em que a Europa não passava de um ator subsidiário.