O recente projeto de Lei apresentado pelo Partido Socialista sobre alterações ao regime das ordens profissionais reacendeu a discussão sobre questões estruturais associadas à (auto)regulação das profissões.
As especificidades da atividade de revisão oficial de contas, entendida como exame à informação financeira divulgada publicamente por entidades coletivas, públicas e/ou empresariais, com vista à formação de uma opinião técnica e independente, justificam a oportunidade de se debater questões como acesso à profissão e sua supervisão.
Interessa desde logo relevar que a auditoria às contas é realizada para defesa do interesse público e na busca do melhor funcionamento dos mercados e instituições. Os mecanismos implementados visam a proteção da sociedade na medida em que esta necessita de informação fidedigna, na qual os diversos agentes económicos podem confiar com vista à tomada de decisão informada.
A garantia de informação credível é dada pelo auditor, o qual, no exercício da sua atividade, caraterizada por elevada normalização e regulamentação, aplica as melhores práticas e emite uma opinião independente sobre a informação divulgada. Sem o garante do auditor, a informação que é tornada pública pode potencialmente chegar ao mercado com erros e distorções, incluindo enviesamentos próprios do interesse de quem a emite. Ou pode, por outro lado, ser questionada por não ser rigorosa e fidedigna, quando é vontade do preparador apresentar informação correta.
A preparação de informação financeira assenta necessariamente em estimativas e julgamentos, potenciando a necessidade de ser submetida a uma avaliação independente, dando segurança ao processo, defendendo o interesse de quem prepara a informação, e de quem a utiliza.
Assim, é por apelo ao normal funcionamento do mercado que a informação financeira deve chegar aos investidores, aos credores, aos colaboradores, aos mercados, aos reguladores, ao Estado e ao público em geral com um garante de qualidade. O garante de qualidade da informação é, assim, o princípio basilar que justifica a regulação da profissão, desde o acesso, ao exercício contínuo da atividade e à supervisão dos trabalhos efetuados.
Não é a vontade de corporativismo ou de proteção e preservação de interesses próprios que justificam a necessidade de autorregulação dos revisores oficiais de contas. É aceitar que uma atividade de elevada e crescente tecnicidade, complexidade e especialização necessita de mecanismos, que assegurem aos mercados, e à sociedade em geral, que é regulada por quem domina os conceitos, as normas e as boas práticas do exercício da auditoria.
O interesse de todos os revisores oficiais de contas é que a sua profissão seja bem regulada, incluindo a sujeição a permanente controlo de qualidade. O acesso à profissão é difícil, é certo, e justifica-se pela elevada exigência técnica e multidisciplinaridade de conhecimentos indispensáveis ao adequado exercício da profissão. Tal é reconhecido internacionalmente, inclusive na Europa, que o exige mediante Diretiva.
A razão não é protecionista, mas justifica-se pela necessária amplitude de conhecimentos teóricos e práticos. A autorregulação consciente exige que o processo seja efetuado de forma transparente e com recurso a entidades e peritos independentes, como o é.
Após o acesso à profissão, vem a necessidade de formação contínua. O controlo da qualidade dos conteúdos e dos formadores, e também o controlo da efetiva formação recebida pelos profissionais, é eficaz se efetuado por quem sente a necessidade de formação em primeira linha.
Segue-se a supervisão da qualidade dos trabalhos efetuados que, da mesma forma, exige conhecimentos técnicos próprios, devendo, também, ser efetuada por quem conhece bem a profissão, por quem a exerce e identifica os seus riscos e desafios, ainda que, seguindo também boas práticas e normas europeias, pelo risco envolvido, caiba a uma entidade independente da profissão, mas também sujeita a regulação, a supervisão direta de determinados trabalhos ou processos.
Defender a autorregulação dos revisores oficiais de contas é defender o regular funcionamento dos mercados, é reconhecer que são os profissionais os que melhor conhecem as exigências e desafios da profissão que exercem, e que a atividade é exercida de forma independente de interesses externos e de forças políticas e governamentais.