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Rick Parry: “Impacto do Brexit na Premier League? Ninguém sabe… será que alguém pensou nisso?”

Vivem-se dias de incerteza na Liga onde todos os craques mundiais querem jogar e onde os direitos televisivos chegam aos 6,7 mil milhões de euros. Brexit, disputas acesas entre os ‘Big 6’ e os clubes mais pequenos, dúvidas em torno da formação de treinadores e jogadores ingleses além de obstáculos são um teste à maturidade da Premier League. Rick Parry, o homem que criou a melhor Liga de futebol do mundo a partir de um ‘papel em branco’, partilha as suas preocupações em entrevista exclusiva ao Jornal Económico.
  • Cristina Bernardo
3 Fevereiro 2018, 10h30

Quando criou a Premier League, em 1990, alguma vez equacionou um sucesso deste nível?
Não, claro que não! Apenas tínhamos a noção de que iria ser bem-sucedida pela forma moderna como a planeámos, com uma governança adequada e sobretudo, porque partimos para este conceito a partir de um ‘papel em branco’, e com a ambição de renovar um campeonato com cem anos de história. Sabíamos que se fizéssemos as coisas da melhor forma, com transparência, independência e eficiência, podíamos claramente atingir o sucesso. Claro que partimos para isto com a força de grandes clubes e esse é um dos argumentos decisivos para que a Premier League tenha tanto sucesso. Estávamos perfeitamente conscientes que não teríamos sucesso se mudássemos tudo ‘do dia para a noite’, essa não era a ideia que tínhamos porque a noção seria sempre a de construir algo para o futuro. Se tínhamos a ideia de que estávamos a construir algo que atingisse essa dimensão? De forma nenhuma. Ao nível das receitas que a Premier League gerou, creio que ninguém tinha a perspetiva de que um dia se chegasse a estes valores, foi muito além dos sonhos de todos.

A vontade dos maiores clubes ingleses foi decisiva para que se chegasse a este patamar.
Tivemos a ambição, rodeamo-nos de pessoas muito competentes e todos tinham vontade de que este modelo de liga funcionasse. Um dos fatores que determinou o sucesso da Premier League foi a parceria que fizemos com a Sky Television, um acordo que na altura gerou enorme controvérsia.

Porquê?
Por dois motivos: primeiro, porque estávamos a tirar o futebol da televisão terrestre e a colocá-lo disponível apenas através de subscrição. Na minha opinião, o modelo ideal passava pelo facto de colocarmos o consumidor a pagar diretamente a subscrição do canal onde eram transmitidos os jogos da Premier League. Se quer ter acesso ao produto, e se esse produto tem qualidade, tu compras. Mas foi de facto muito controverso sobretudo porque a Sky era uma estação pequena e estava a começar quando a Premier League foi criada.

Havia riscos na criação da Premier League?
Sim, claro! Sobretudo no que diz respeito ao contrato de televisão que foi feito. As coisas podiam ter corrido mal com a Sky nos primeiros anos mas, olhando para trás, creio que se algo negativo tivesse acontecido, faríamos contrato com outra estação. Os clubes começaram a perceber que seria uma enorme fonte de receitas, não só que iriam obter desse contrato, como aquilo que poderiam ganhar fora de Inglaterra. A Premier League chega atualmente a mais de 200 países e as receitas vindas do estrangeiro representam 7% do ‘bolo’ total. Quando começámos, essa receita valia zero.

O sucesso da Premier League também tem o ‘reverso da medalha’.
Sem dúvida e com consequências evidentes para a seleção inglesa de futebol, por exemplo. É verdade que temos jovens ingleses a despontar mas há aqui um enorme desafio: eles têm de jogar nos seus clubes para que a seleção inglesa ganhe com isso. Atualmente temos 70% de jogadores estrangeiros na Premier League e isso é preocupante, sobretudo para o desenvolvimento dos jogadores ingleses.

Quais são os grandes desafios que se colocam à Premier League nos próximos anos?
Já estão a existir problemas, sobretudo entre os seis maiores clubes ingleses (Manchester City, Manchester United, Tottenham, Arsenal, Liverpool e Chelsea) e os restantes que disputam a Premier League. Uma das virtudes desta Liga é o equilíbrio: qualquer equipa pode vencer um jogo independentemente de quem for o adversário; parte da popularidade da Premier League reside aí. A competitividade desta Liga deixa pouco espaço para que haja capacidade de resposta dos ‘grandes’ na Europa. Para os principais clubes desta Liga está a ser muito difícil conseguirem singrar na Europa e isso é um problema, porque há um contraste com o sucesso que as equipas inglesas obtiveram entre 2005 e 2009. No entanto, os últimos cinco anos foram desastrosos. E nós temos de ser competitivos contra o FC Barcelona, Real Madrid e Bayern de Munique. Existem tensões mas vamos ver como as resolvemos. Um dos princípios da Premier League é que cada clube representa um voto e é sempre necessário uma maioria de dois terços para avançar com qualquer alteração e os ‘grandes’ não chegam para essa maioria. Sempre tivemos unanimidade nas decisões mas essa realidade alterou-se.

O que trazem os treinadores portugueses de novo à melhor Liga do mundo?
A verdade é que temos uma Liga muito cosmopolita ao nível dos jogadores e de quem os dirige. Temos treinadores portugueses, espanhóis, franceses, um alemão, alguns treinadores brasileiros. Vejo isto como uma questão de moda: consoante o desempenho das seleções nas grandes provas internacionais, a Liga vai importando jogadores e treinadores desses países. E isso traz outro problema: a incapacidade de valorizar o treinador inglês. É um dos problemas dos ingleses: temos alguma dificuldade em equilibrar as coisas, andamos de extremo em extremo. Nenhuma das Ligas mais ricas tem esta preponderância de treinadores e jogadores estrangeiros. A competitividade da Premier League faz com que cada clube tenha receio de arriscar e tentar manter uma alta quota de jogadores estrangeiros, o que, inevitavelmente, leva à contratação de treinadores estrangeiros.

Outra questão que se coloca passa pelo facto dos clubes ingleses serem detidos por capitais estrangeiros.
É irónico mas a verdade é que mais de metade dos clubes são detidos por capitais estrangeiros. Grande parte dos clubes da região de Midlands têm maioria de capital chinês e quando criámos a Premier League isso nunca nos passou pela cabeça. E quando os investidores são estrangeiros, porque haveriam de apostar em jogadores e treinadores britânicos? Somos uma Liga internacional de grande sucesso que tem a sua sede em Inglaterra. Portanto, há ilações a retirar e provavelmente, falta-nos algum equilíbrio.

Como vai a Premier League sobreviver às consequências do Brexit?
É um bom ponto de vista e que ainda não foi suficientemente debatido. Não me faça falar daquilo que penso sobre o Brexit porque tudo isto é um completo disparate. Se quer que lhe diga, creio que vai ter um enorme impacto na Premier League porque, de repente, os jogadores que chegam para jogar em Inglaterra salvaguardados pela designada lei Bosman, já não vão poder fazê-lo.
O problema de base do Brexit é que tivemos um referendo sobre um tema sobre o qual ninguém estava a discutir no Reino Unido, o que é verdadeiramente bizarro; por outro lado, foi-nos oferecida uma decisão binária para um tema extremamente complexo. O resultado foi algo absolutamente insano, o mais incrível cenário que se poderia perspetivar para o Reino Unido.
Qual será o impacto do Brexit para a Premier League? Ninguém sabe… será que alguém pensou nisso? Terão alguma vez colocado a hipótese disto acontecer? Aparentemente, e o mais certo, é que o Brexit represente um enorme problema para a Premier League. A verdade é que vamos fechar as fronteiras e automaticamente e isso vai dificultar a ida de jogadores europeus para o Reino Unido porque todos vão precisar de autorização de trabalho. Bom, é uma excelente notícia para os restantes campeonatos europeus, sobretudo aqueles que têm mais força, mas um tremendo desafio para os responsáveis da Premier League.
Não sei se será o maior desafio para o futuro da Premier League mas será certamente um dos maiores obstáculos com que esta Liga se irá deparar.

Se a Premier League sobreviver ao Brexit, pode sobreviver a tudo?
Bem, todos pensavam que a lei Bosman seria catastrófica para o futebol e a verdade é que tem sido bastante prejudicial para campeonatos como o português e para o holandês também (porque tornou-se mais fácil que os jogadores pudessem gravitar entre equipas) e assim ‘saltar’ para clubes com outro poder na Alemanha, Espanha e, claro, Inglaterra. A verdade, e de uma forma geral, é que a lei Bosman não foi um desastre e a vida prosseguiu. O futebol é de facto uma modalidade muito resiliente tem uma força própria muito significativa. Vão haver problemas, vai ter de superar uma série de obstáculos mas sou muito otimista e acredito que, apesar dos desafios que se vão colocar, a Premier League vai continuar muito forte.

Que conselhos daria aos dirigentes do futebol português para que se caminhasse para uma Liga com bom futebol e excelentes receitas?
Para já, considero que seria arrogante da minha parte dizer aos portugueses que estão ligados ao dirigismo desportivo aquilo que deveriam fazer no sentido de criar um ‘produto’ desse nível. Temos clubes portugueses com um excelente ‘pedigree’ e uma história de grande sucesso. Para além de que o historial e o presente da Seleção portuguesa é fantástico com a presença consecutiva em várias fases finais de Mundiais e Europeus, e claro, com a conquista do Campeonato da Europa em 2016. Gostava muito que a minha seleção (seleção inglesa) tivesse um percurso semelhante.

Quais são os fatores diferenciadores?
Por outro lado, creio que temos de ser realistas porque existem dois fatores que ditam o sucesso da Premier League: tem uma gestão de excelência, e aí creio que temos um modelo que pode, sem dúvida, ser inspirador para outras ligas de futebol ao nível mundial. Desde os primórdios da Premier League, em 1990, que foi adotado um modelo corporativo onde foi sempre dada a primazia à transparência e eficiência, qualidades que quando são bem geridas são uma excelente plataforma para iniciar e desenvolver qualquer projeto. O outro fator que ditou o sucesso da Premier League foi o crescimento exponencial da Sky Sports cujo acordo com a Premier League chegou a ser considerado o mais benéfico no que concerne ao desporto europeu, sem mencionar claro os ganhos que daí resultaram tanto para os clubes da Premier League como a própria Sky Sports. Tem sido fantástico para todos.
Mas se não houver um conceito definido e acima de tudo o potencial para criar receitas, criar um conceito destes sem um destes fatores é um enorme desafio.

Receitas e talento são fundamentais?
Diria que o maior desafio, não apenas para Portugal mas para países como a Holanda, a Escócia, é a capacidade de atrair receitas mas também de atrair talento, ou seja, os melhores jogadores. O mais importante creio que passa por não cair na tentação de tentar imitar a Premier League mas sim de criar algo em que, no caso do futebol português, possa ser evidenciado e em que possam mostrar os pontos fortes.
Em Inglaterra, temos vindo a atrair muitos talentos e os melhores treinadores mas, no fim, tudo se resume a onze jogadores de cada lado do campo. Nem todos os clubes podem ser o Manchester City ou o Chelsea FC, por isso, cada clube deve manter-se fiel à sua filosofia e ser gerido de forma a evidenciar os seus pontos fortes.
Temos o exemplo da Bélgica por exemplo: a Premier League e outros campeonatos contratam jogadores internacionais da Bélgica (como o De Bruyne, o Courtois ou o Hazard) que, atualmente, é uma das grandes seleções mundiais. Mas se formos comparar estes talentos com aquilo a que se resume a Liga de futebol na Bélgica, e a capacidade que o Anderlecht e o Standard de Liège têm para competir a nível europeu, temos um desequilíbrio enorme.

Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão

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