As diferentes fases de elaboração e posterior execução do Orçamento do Estado (OE) ocupam grande parte da discussão parlamentar e mediática. Para início de exposição, gostaria de distinguir rigor de disciplina orçamental. O rigor de um orçamento trata-se de uma medida qualitativa do grau de realismo do exercício, enquanto a disciplina está intimamente relacionada com o nível de cumprimento dos compromissos orçamentais. Com efeito, a execução orçamental será tanto mais disciplinada, quanto mais rigorosa tiver sido a elaboração das projeções.

Não sendo economista, reflito sobre esta temática sem estar agrilhoado a axiomas contabilísticos. Em abono da verdade, durante a última década temos assistido a um considerável esforço de contenção da despesa pública e a uma criativa receita fiscal, o que não quer dizer que tenha sido praticada disciplina orçamental. Se analisarmos as propostas de orçamento desde o início da década e compararmos os valores projetados com o défice verificado, encontramos um desvio médio anual de 27%. Olhando para esta série de sete anos, a única ocasião em que o desvio orçamental se situou abaixo dos 20% ocorreu em 2013 (i.e. 7%).

Acredito que a evidenciada incapacidade de cumprimento orçamental poderá ser atenuada através de mais rigor prospetivo. O processo de elaboração do OE – sendo complexo e moroso – assenta num conjunto de simplificações que introduzem uma elevada dose de incerteza na projeção do saldo das contas públicas. Uma das principais simplificações reside na abordagem incremental das rubricas, partindo do pressuposto que o montante do ano anterior é necessário, ainda que sujeito a um ajuste. Com esta metodologia, os serviços públicos são naturalmente induzidos a cumprir o orçamento, uma vez que receiam que qualquer eficiência introduzida se torne num corte no ano seguinte. Uma forma de tornar este processo mais rigoroso passaria pela abordagem de orçamento base zero (OBZ). Esta metodologia permite construir o orçamento em função das atividades necessárias. O OBZ já foi utilizado nos EUA, a nível federal, mas também nalguns dos seus estados (p.e. Texas e Oklahoma). O OBZ pode ser alvo de aperfeiçoamento, através de uma lógica de priorização de atividades em função da sua criticidade para o serviço público em questão.

Outra fonte de imprecisão no exercício de orçamentação refere-se à inexistente gestão da incerteza. É anacrónico que no OE, por exemplo, o câmbio EUR/USD e o preço do barril de Brent sejam parâmetros fixos. Uma das formas de gerir a incerteza passa pela criação de cenários de evolução de parâmetros-chave para o processo de decisão.

Pelo exposto, o rigor na elaboração do OE é uma matéria em que a administração pública deve investir. Se nas (boas) empresas privadas já se utilizam ferramentas de machine learning e data mining para previsão financeira e operacional, é importante que o governo convide a Universidade a participar na modernização da metodologia de construção do OE. Se este investimento não for feito, a famosa citação de John Kenneth Galbraith continuará a ser corroborada ano após ano: “the only function of economic forecasting is to make astrology look respectable”.