Não é apenas a suspeita de influência de Putin nas eleições americanas (tal como parece ter ocorrido em 2016) que justifica o título desta crónica.
Em rigor, o perigo russo sob a forma da tradicional e aleatória roleta é o sistema de eleição do Presidente norte-americano. Às trapalhadas do voto por correspondência que sempre constituíram problema, temos o velho drama do Colégio Eleitoral. Velho porque desde o dia em que foi aprovado nunca deixou de ser contestado.
Por uma razão simples e resumida em 1961 pelo Senador Kefauver (o mesmo da campanha anti-comics): o Colégio Eleitoral é uma pistola apontada à democracia americana. Ou seja, ao permitir a eleição como Presidente de um candidato que obteve menos votos populares que o seu concorrente (e falamos de menos 3 milhões de votos por exemplo ) fica em causa o princípio da igualdade do voto (um cidadão , um voto).
É verdade que a pistola já disparou várias vezes, a última das quais permitindo a eleição de Trump em 2016. Mas nas eleições marcadas para o próximo 3 de Novembro pode disparar de novo, mantendo Trump no poder.
A razão de ser da criação do Colégio Eleitoral fazia algum sentido no século XVIII, olhando para as origens e a natureza do federalismo americano. Mas, com o reforço da União, tornou-se numa anomalia anti-democrática.
Até hoje foram apresentadas no Congresso mais de 800 propostas de alteração constitucional para abolir o Colégio Eleitoral. Curiosamente, um dos que estranhou o sistema foi o Presidente Trump. Logo a seguir a ser eleito, em 2016, disse que preferiria ter sido eleito por voto directo. Mas aprendemos entretanto que o que Trump diz não se escreve e, hoje, os republicanos são os mais intransigentes defensores do Colégio Eleitoral.
A questão volta a ter muito peso porque a próxima eleição ganhou uma relevância extraordinária. Alguma da mais relevante comunicação social norte-americana fala mesmo em democracia em perigo se Trump não for eleito e se recusar a aceitar a derrota (como em declarações recentes deu a entender). O que é, reconheçamos, algo de inédito e difícil de acreditar. Mas é assim que muitos americanos estão a viver o momento.
Ora, a lógica do funcionamento do Colégio Eleitoral e o resultado que dele resultará, caindo a conta-gotas e prolongando-se pelos dias seguintes, darão alimento a uma imprevisível contestação do resultado final por parte do actual presidente. Algo nunca visto nos últimos cem anos da democracia norte-americana… E, se assim acontecer, o tiro poderá ser fatal.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.