Segundo li na excelente biografia de Getúlio Vargas (Lira Neto, Getúlio, vol.III, 2014), a origem da expressão “rouba, mas faz…” remonta aos anos 40 e 50 do século passado, quando Ademar de Barros, várias vezes governador do Estado de São Paulo, foi acusado pelos seus adversários de beneficiar de um esquema de desvio de verbas públicas para proveito próprio. A “caixinha de Ademar”, como ficou conhecido o “baú”, que teria sido criado para comprar o apoio político de deputados e abastecer os cofres da sua candidatura e do seu partido, funcionaria como uma espécie de “saco azul” onde gastos públicos e gastos privados se misturavam sem critério. Numa administração virada para as grandes obras públicas – habitação social, infraestruturas de água e esgoto, hospitais, instituições de ensino e grandes rodovias, que ainda hoje identificam a moderna São Paulo – Ademar respondia aos críticos afirmando que governar é “abrir estradas” por respeito ao legado do presidente Washington Luís. O seu principal rival político à época era Jânio Quadros, mais tarde Presidente do Brasil. No Estado de São Paulo, onde se sucederam como governadores, obra iniciada por Ademar era interrompida por Jânio. A rivalidade entre ambos preenche algumas das melhores páginas do anedotário político brasileiro. Recordo uma delas, várias vezes replicada, em que Ademar num comício e referindo-se a Jânio disse: “Entre as várias obras que fiz em São Paulo está o hospital de loucos. Infelizmente, não foi possível internar todos. Um desses loucos havia escapado e fará comício nesta mesma praça amanhã”. Mas no dia seguinte, Jânio Quadros respondeu à letra: “Quando fui governador de São Paulo, construí várias penitenciárias, mas não foi possível trancafiar todos os ladrões. Um escapou e fez um comício aqui mesmo nesta praça ontem”. Mas o que não deixa de ser surpreendente, nestas memórias da “pequena política” em língua portuguesa, é o facto da expressão em causa, que hoje funciona como anátema contra os assaltantes do erário público, foi, na sua origem, promovida pelos que disso eram acusados: foram, aliás, os partidários de Ademar que, como antídoto para as denúncias, promoveram o “slogan” que faria escola… E isto é tanto mais simbólico quanto é certo que o governador do Estado de São Paulo nunca foi condenado nos processos judiciais relacionados com desvio de dinheiros públicos. Desta evocação resulta pelo menos um corolário. É que, se por um lado a frase procura sinalizar um comportamento condenável não necessariamente político (rouba),  não deixa  de incorporar  uma  atenuante essencialmente política  (faz). E daí não se entender a estranheza (e em alguns casos a indignação) com que as eleições e as reeleições de Ademar de Barros foram recebidas por alguma elite da época. A verdade é que a percepção popular, positiva ou negativa, da referida expressão é, essencialmente, instrumental. Ela depende de muitíssimos factores e, nesse aspecto, haverá que reconhecer que 70 anos depois nada mudou!