No final do mês de julho, a propósito da publicação do novo regime do rendimento social de inserção (RSI), assistimos ao clássico debate político entre a direita e a esquerda. A discussão deixou, porém, intocado o problema de fundo que continua por resolver.
Oferecendo às pessoas individuais menos de duzentos euros e um valor médio de prestação por família que ronda os duzentos e cinquenta euros, esta prestação peca por ser calculada em abstrato e não em função de um cabaz de bens de primeira necessidade. Nas grandes cidades, como Lisboa ou Porto, esta prestação obriga a escolher entre ter um teto ou ter alimentos, sujeitando os beneficiários a ter de mendigar para a satisfação das suas restantes necessidades básicas.
Esta prestação é, portanto, insuficiente para assegurar o cumprimento dos deveres mínimos do Estado na garantia de uma existência mínima condigna, tendo em conta que cada pessoa tem um valor moral intrínseco e o direito a ter uma vida com perspectivas de realização que vão bem para além de assegurar o mínimo de sobrevivência a cada dia que passa.
As reservas que alguma sociedade conserva em relação a esta prestação resultam de preconceitos em relação à pobreza e aos mais pobres. A pobreza é ainda hoje associada a motivos imputáveis exclusivamente a quem se encontra nessa situação, como a indolência ou escolhas erradas de vida. Uma argumentação moralizante, portanto.
Porém, a dignidade humana impõe a abolição dessa perspetiva assente em estereótipos. Tendo em conta que esta prestação poderá interessar a todos os membros da sociedade – uma vez que ninguém está livre de cair numa situação de extrema necessidade –, a despesa que ela importa deveria ser estabelecida com base numa ideia unânime de vida condigna, derivando de um imperativo de igual consideração e respeito por todos na sociedade. Só o reconhecimento deste mínimo de vida condigna, a pensar nas necessidades mínimas de cada um de nós (e não na imagem fantasiada de um sem-abrigo feliz apenas por ter um teto que o proteja da chuva) garante a todos o acesso a uma cidadania de pleno direito.
O RSI não deveria, portanto, ser encarado (como é atualmente) como uma esmola daquilo que sobeja das folgas orçamentais; mas sim como uma despesa pública prioritária, oferecida como garantia mínima de cidadania. Não estou com isto a dizer que devemos prescindir de controlo contra a fraude ou da definição clara de condições para o acesso a essa prestação. Estou sim a dizer que esses controlo e condições são instrumentais; o mais importante é garantir que nenhum cidadão fique para trás e que todos podem ser ajudados numa fase mais difícil da vida, sem ser atirados para situações indignas. Mais do que um mínimo vital, esta prestação deveria, pois, assentar na ideia unânime de que há circunstâncias que nenhuma pessoa deveria suportar.