A fotografia que vemos “é um estudo sobre vulnerabilidade”, escreve o “The Guardian” (Ruby Bridges: the six year old who defied a mob and desegregated her school, edição de 6/5/21 ).
O dia em que Ruby Bridges se tornou na primeira criança negra a frequentar uma escola do Louisiana até então apenas para brancos, ficou registada fotograficamente para a História: uma menina frágil e de ar mais determinado do que assustado, com meias brancas e laçarotes no cabelo, cercada por três imponentes agentes federais de fato e gravata, que a protegem. O resto não vemos mas sabemos que estava lá.
À sua espera, junto aos portões da escola, uma feroz turbamulta, todos eles pais e crianças de raça branca, preparam-se para gritar slogans racistas agitando placards, um deles dizendo: “All I want for Christmas is a clean white school”. Tudo isto aconteceu a 14 de Novembro de 1960.
Quando Ruby nasceu, em 1954, o Supremo Tribunal dos EUA, na histórica decisão “Brown vs Board of Education”, havia decidido enterrar a infamante doutrina “iguais mas separados” e tornar ilegal a segregação racial nas escolas americanas. Apesar disso, seis anos depois, muitos Estados do Sul continuavam a ignorar o ditame jurídico e a impedir o acesso de crianças negras às escolas.
Ruby não sabia ao que ia naquele dia. Os seus pais não lhe disseram. Imaginou, relata hoje, que se tratava de uma festa do tradicional Mardi Gras de Nova Orleães. Não havia que ter medo. Os pais de Ruby pagaram um preço elevado pela sua decisão. Ambos perderam os empregos por conta da notoriedade do caso. E a vida de Ruby na escola não foi fácil: todos os restantes pais retiraram os filhos da escola e todos os professores, com uma única excepção, recusaram-se a dar-lhe aulas .
Durante um ano, Barbara Henry, a única professora que cuidou de a acompanhar, conviveu sozinha com Ruby. No ano seguinte, alguns alunos regressaram à escola mas com indicações expressas dos pais de que não deveriam falar com Ruby. Depois, lentamente, outras crianças afro-americanas passaram a estudar na Escola e a segregação racial, sem deixar de ser tema, saiu das fotos dos jornais.
Voltando à foto inicial, que ilustra o artigo do “The Guardian”, a vulnerabilidade que dela resulta não deixa de ser tanto mais assustadora quanto é certo que tudo aquilo se passou no tempo das nossas vidas. Não foi no tempo do Antigo Regime, não foi na transição para o constitucionalismo, não foi sequer na guerra civil americana. Foi há 60 anos…
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.