[weglot_switcher]

Rui Caria: “Fotografia é a necessidade e capacidade de ver”

Por ser um fotógrafo ligado à Leica, Rui Caria foi desafiado pela Xiaomi a usar um telemóvel (em vez da tradicional câmara) para fotografias profissionais. Lançado o desafio, o fotojornalista escolheu duas profissões com o fim marcado nos Açores.
9 Novembro 2023, 18h30

Depois de estar no terreno na Ucrânia, na condição de fotojornalista, porquê explorar um tema que está no seu quintal?

A Xiaomi colocou-me um desafio muito curioso. Estes desafios acontecem de vez em quando, não vou à procura deles.

O telefone tocou com a ideia, que estava relacionada com fotografia. Qualquer ideia que me proponham de fotografia sou capaz de alinhar sem pensar muito, porque acho importante divulgarmos cada vez mais a importância e força documental das imagens. É para isso que eu trabalho.

Temos de ser agnósticos em relação ao meio que utilizamos para trabalhar, seja um telemóvel ou câmara. O importante é mostrarmos histórias, seja de que maneira for. Temos de aproveitar a característica arqueóloga da fotografia: deixar registos de vida e histórias. Foi isso que eu procurei neste desafio.

Escolhi, para este trabalho, pessoas que têm profissões que estão para acabar, que são o guardador de cabras e o chocalheiro. O senhor António é o último chocalheiro dos Açores. Sendo o último, acho que é notável, porque existe um fim previsto para algo. Às vezes pensamos que somos infinitos e que vivemos para sempre, mas tudo termina e tudo tem um fim.

São duas histórias de profissões que vão desaparecer. É também uma homenagem à Terceira?

Gosto muito da Terceira mas não sei se é tomado como homenagem. Deixo isso à perceção dos outros porque não tenho essa intenção. Ou seja, tenho sempre a intenção mas nunca sei qual é o resultado dessa intenção com o que produzo.

Há quem diga que faz jornalismo ou fotojornalismo para alertar e abrir consciências, para ser um megafone dos que não têm voz. Se calhar isso é verdade. Mas nunca sei qual vai ser o resultado da produção, apenas deixo o resultado.

A Xiaomi desafiou-me mas deixou-me escolher o tópico. Não houve imposição e deram-me liberdade total para escolher e eu escolhi os Açores. Podia ter escolhido outro sítio qualquer, como a Nazaré que é a minha terra natal.

Fala do desaparecimento destas profissões, que se vão afastando do padrão moderno. A fotografia serve para impedir o esquecimento?

Serve metaforicamente. Não faz com que as coisas não acabem mas também não faz com que as coisas perdurem.

Há algo que li há uns tempos e adotei. Quando olhamos para fotografias de alguém que já perdemos, não vemos aquilo que perdemos. Estamos a guardar as pessoas e a lembrar aquilo que perdemos. Quando olhamos para essas fotografias lembramos que nos faz falta.

Acho que a fotografia provoca mais isso do que a presença, mais até que a perenidade. Acho que é importante ficar essa metáfora da presença, uma ilusão de presença e o registo para a posterioridade. É mais a lembrança da ausência.

Nesta questão já entramos num campo bastante filosófico, que é o que mais me agrada na fotografia.

Como começou a paixão pela fotografia?

Gostava de ser romântico nessa resposta mas não há assim uma paixão absoluta. Mais que paixão há uma necessidade.

A fotografia é a capacidade de ver. Não há mais nada na fotografia porque a parte técnica das velocidades e aberturas já se aprendem no Youtube. Mas a forma de ver não se aprende, é uma coisa nossa. Não sei se é talento ou um dom.

Não tenho muito tempo de fotografia, mas tenho 30 anos de imagem porque vim da televisão. Comecei por filmar e fiquei fascinado com a possibilidade de ver, e isso nunca saiu de mim. Não sei se é paixão, fascínio ou necessidade de ver.

A fotografia está mais relacionado com a necessidade de ver e percecionar aquilo que nos é dado, as banalidades do mundo e as coisas quotidianas que ninguém quer saber. É giro ficar a olhar para elas. Acho que é procurar no ordinário o extraordinário. Esse é o meu processo de trabalho.

Por isso é que foi considerado Leica Master Photographer em Portugal?

Isso é mais uma perceção da empresa que minha. Se calhar tem a ver com o reconhecimento daquilo que vamos fazendo e os equipamentos que vamos usando.

Para mim, a fotografia tem de ser um objeto simples. Tem de me dar a capacidade de errar. Para mim é importante a falha na fotografia.

Por exemplo, nos telemóveis não dá para focar manualmente, o que também é bom. É bom dar um pouco de descanso à parte mecânica mas ela é fundamental para controlar o foco, a velocidade. Hoje os telemóveis também já conseguem controlar as velocidades, tal é o avanço, e isso permite ser também o fotógrafo ao controlo.

Então, para quem gosta de máquinas, este foi mesmo um desafio.

Gosto muito de tecnologia e sou bastante adepto. O mundo vai ser, um dia, governado por robôs. Sou adepto das máquinas e dos equipamentos de fotografia e vídeo.

Para mim, é muito interessante ver até onde vai a tecnologia e, neste caso, como se interliga com a fotografia.

A fotografia não fica banalizada pelos telemóveis?

É uma pergunta velha, isto de toda a gente poder fotografar. Se vai banalizar? Acho que não.

A fotografia já está banalizada há tanto tempo. Não tem a ver com equipamento, mas com a cabeça e forma de ver. Isso é que banaliza a fotografia. Os equipamentos só dão a oportunidade de percebermos melhor essa banalidade.

Mas também dão a oportunidade de ver nascer pessoas muito criativas e de ver aparecer miúdos de 20 anos com olhares maduros e desenvolvidos. É bom quando vemos pessoas crescer bem na fotografia.

Uma das provas de que não podemos ligar à banalidade dos equipamentos são os telemóveis, que já não são telemóveis. São máquinas que permitem telefonar. Mais que facilidade, estes equipamento criam oportunidades.

O telemóvel está agora a chegar-se às câmaras. Essa é a prova do valor da fotografia que todas as empresas que produzem equipamentos estão a perceber. É que a fotografia tem valor. As empresas estão agora a chegar-se aos fotógrafos com este tipo de equipamentos. 

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.