A extradição de Rui Pinto para Portugal foi confirmada na última quinta-feira por decisão do tribunal superior de Budapeste (Hungria), contrariando assim a interposição do recurso pelos seus advogados da sentença de primeira instância.

O causídico francês William Bourdon, coordenador da defesa de Rui Pinto, um homem com vasta experiência nesta matéria, pois já foi advogado de Edward Snowden, o ex-agente da CIA que fugiu com milhares e milhares de documentos da NSA e de vários outros elementos de diversas plataformas como a Swiss Leaks, bem como os restantes advogados entendem que, em Portugal, não estão reunidas as condições para Rui Pinto poder continuar a desenvolver a sua acção de whistleblower.

Mas, afinal, o que significa considerar Rui Pinto um whistleblower?

Rui Pinto acedeu a informação imensa e perigosa para certas entidades, sobre actividades ilegais e criminosas do mundo dos “negócios” do futebol como a fuga ao fisco, o branqueamento de capitais, o encobrimento de uma variedade imensa de actos ilícitos que muito prejudicaram diversos países e assumiu a atitude de denunciar de forma directa ou indirecta tudo isto, ora dirigindo-se à comunicação social organizada, como o Consórcio EIC (European Investigative Collaborations) para que explore no bom sentido todo este manancial de informação, ora colaborando com a justiça de países mais abertos ao tratamento e uso deste tipo de informação para prova em julgamento.

No caso de Rui Pinto, se a justiça funcionar, muita gente do futebol de várias partes do mundo, pode ser visada e julgada, desde clubes, dirigentes, agentes de futebol, empresários, escritórios de advogados, jogadores, treinadores, fundos como a DOYEN e outros.

Mas importa colocar uma outra questão: como conseguiu Rui Pinto aceder ao conhecimento desta documentação incómoda? Certamente usando os seus conhecimentos técnicos, neste caso, o domínio de softwares específicos e a colaboração de vários outros parceiros dispostos à denúncia, certamente também com domínio técnico, aquilo a que comummente se convencionou chamar de “piratas” de informação incómoda.

Terá sido tudo praticado de forma perfeitamente legal? À face das leis vigentes, evidentemente, não. Mas, na análise desta questão, interessa ponderar o seguinte.

Está provado, na vida real, que, na maior parte destes casos, as instâncias oficiais (as polícias de investigação) não “penetram” nestas questões ou, pelo menos, têm grandes dificuldades de lá chegar, porque as próprias sociedades em que estas polícias se inserem estão organizadas para não facilitar.

Pensemos nos “Panama Papers”, no caso Snowden e outros. Toda esta informação/denúncia, tornada pública pelos ditos “piratas” da informação/denunciadores, acabou por trazer vantagens à sociedade e aos cidadãos –nuns casos mais que noutros, é certo. Mas mesmo nos casos em que pouco se avançou, trouxe informação sobre uma realidade a ter em conta. “Agir” com mais cuidado na sua detecção.

Nunca estes documentos viriam à luz do dia em tempo útil. Um dia talvez se viesse a saber, quando e se alguma vez por qualquer razão se “encontrassem” os ficheiros, mas quando muito ficaria como mais um registo na história, sem efeitos práticos concretos. E a corrupção mais uma vez escapava. Assim, por pouco que se avance, pois a justiça tem a sua própria perversidade, sempre se gera algo de benéfico.

Uma pessoa destas não pode, por conseguinte, ser tida como mais um criminoso como alguns desejam. E quem são esses alguns? Fica a interrogação. Uma pessoa como o Rui Pinto tem de ser vista antes como um denunciador de factos incómodos e ilegais que, correndo certos riscos por decisão própria, presta um alto serviço à comunidade. De outra forma, nunca estas actividades ilegais seriam desmontadas. E, neste caso, já temos resultados bem concretos e positivos. Em Espanha, por exemplo, houve jogadores e treinadores que já tiveram de se entender com a justiça e indemnizar o fisco da fuga aos impostos.

Neste momento, Rui Pinto está a colaborar com a justiça francesa e já entregou à “Der Spiegel”, do Consórcio EIC, milhões de documentos que deram origem a artigos e livros que estiveram na base dos processos em Espanha e, em França, a situação continua a rolar.

Ao efectivar-se a extradição de Rui Pinto para Portugal, a situação vai tornar-se complexa, admitindo que com ele a justiça húngara envia a documentação que lhe foi apreendida no seu apartamento em Budapeste.

E porquê? A legislação portuguesa, pelo que tenho lido, é muito avessa em acolher este tipo de informação como prova de delito, pelo que corre-se o risco de algum tribunal muito cioso dos seus poderes mandar destruí-la. Depois, há muitos interesses de clubes e de agentes do negócio do desporto em jogo, pelo que a pressão vai ser enorme para que se proceda nesse sentido. Terceiro, não há experiência na justiça portuguesa para lidar com um caso destes, pelo que o processo iria/irá arrastar-se por um tempo sem fim.

Nada disto seria benéfico para a imagem de Portugal, nem da justiça portuguesa que de si já tem muito má nota, sem falar daquilo que muitos comentadores dizem do contributo para o apuramento da “verdade” do futebol.

No meio deste imbróglio, tendo sido o “John” do Football Leaks (Rui Pinto) sentenciado à extradição para Portugal, aquilo que se preconiza (apesar de todas as dúvidas e incertezas levantadas sobre a actuação da justiça portuguesa) é que lhe sejam proporcionadas as condições para que ele possa continuar a desenrolar o novelo da informação a que acedeu e que quem de direito (a justiça portuguesa) vá reerguendo as devidas consequências, para além – e é fundamental – de assegurar a Rui Pinto a sua própria segurança pessoal. Rui Pinto tem muita razão em temer pela sua segurança, como tem repetido vezes sem conta.

Por outro lado, admito que Rui Pinto não esteja sozinho neste barco e se correr mal a sua situação, ou seja, se a informação que for enviada for alvo de destruição, que os outros parceiros a consigam levar a bom porto. Do mal, o menos.

Esta situação mafiosa do mundo do futebol merece ser bem desmascarada.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.