Durante anos, escrevi e disse a quem ia tendo paciência para me aturar que Rui Rio seria o único político nacional que poderia ter condições para, no poder, fazer as reformas de que Portugal precisa.
Num país que, como as outras democracias europeias, enfrenta uma crise de sustentabilidade do Estado Social, os eleitores votam, em grande medida, não a favor de uma qualquer das alternativas à disposição, mas contra o poder do momento, com o propósito de não perderem o que ainda não lhes foi tirado.
Chegado ao governo, um partido pode conseguir ludibriar o eleitorado levando-o a crer que as dificuldades acabaram, mas mais tarde ou mais cedo a realidade vai falar mais alto, e será necessário aplicar medidas de consequências duras e impopulares, altura em que o descontentamento que arrumou com o antecessor se vira contra o poder presente – com tanta mais força quanto foi dito aos eleitores que os sacrifícios anteriores eram excessivos ou escusados.
A única forma de ultrapassar este ciclo vicioso, a existir (tenho dúvidas), será não esconder aos eleitores as dificuldades que os esperam, e convencê-los da sua necessidade.
A campanha eleitoral que fez com que Rio chegasse pela primeira vez à presidência da Câmara do Porto – partindo para ela com as sondagens a darem-lhe uma derrota mais do que certa, não hesitando depois em confrontar algumas vacas sagradas do eleitorado portuense – e o seu passado como dirigente do PSD – tanto na crítica, feita bastante cedo e enquanto quase todos os membros das “classes conversadoras” ainda estavam a dormir, à política de endividamento de Guterres, como na tentativa (frustrada pelo recuo do então líder agora transformado em Evita de Belém), como Secretário-geral do PSD, de enfrentar o aparelho do partido destruindo parte dos mecanismos que lhe permitiam dominá-lo.
Mostrava que Rio não só não tinha receio de ter e defender posições impopulares, como conseguia obter aprovação eleitoral ao fazê-lo. Isso que me fazia crer que, se quisesse, Rio poderia ter o tal comportamento que permitiria a um detentor do poder fazer as reformas de que o país precisa, mas que o eleitorado (legitimamente) receia.
Embora a repetida preferência em continuar no Porto em detrimento de avançar para o PSD, entendida (com ou sem razão) como uma prova de que teria receio de perder uma corrida à liderança do partido, me tivesse feito pensar que a sua imagem de político “corajoso” sairia danificada, e que isso o faria perder as tais condições que eu achava que só ele tinha, a verdadeira questão sempre esteve aí: será que Rio quereria fazer essas reformas?
A prioridade que, ao longo de anos, em várias intervenções, deu a “questões de regime”, e não a reformas políticas que poderiam melhorar a vida das pessoas, fez-me duvidar. Mas foi a chegada recente à liderança do PSD e a sua reacção aos “casos” Malheiro, Fraga e Barreiras Duarte que me fez pensar que não havia razões para ter dúvidas, mas não de uma forma positiva.
Ao encavalitar-se nos votos oferecidos por Salvador Malheiro e dando-lhe um lugar como vice-presidente, ao escolher Elina Fraga e dizer que a polémica em torno da sua reputação duvidosa é algo de que “gosta”, e ao desvalorizar por completo o comportamento de Barreiras Duarte, Rio mostra que o que motiva a postura “combativa” e de “ruptura” que está associada à sua pessoa não é um julgamento ajuizado acerca do que é correcto fazer em determinadas circunstâncias – qual a melhor opção política para o país – mas um impulso irracional de ir contra o que “a opinião” – os jornais, as televisões, os “comentadores”, os outros políticos – julga que deve ser feito, independentemente dos méritos da posição que Rio rejeita e confronta.
Por outras palavras, talvez Rio não se deixe mover por uma vontade imperiosa de fazer o que deve ser feito, mas por uma simples paixão em “ser do contra”. O exemplo de Sócrates (sem querer comparar), que gostava de se fazer passar por alguém que enfrentava “os interesses” quando, na realidade, não passava ele próprio de um poderoso e nefasto “interesse”, cujo peso e dimensão se vai tornando mais claro a cada dia que passa, mostra como Portugal não precisa de um “animal feroz” só por ser um “animal feroz”.
Portugal precisa de alguém que esteja disposto a cortar com uma série de hábitos e políticas sem medo de enfrentar contestação e oposição, mas que o faça com critério, ajuizando de forma ajuizada (passe a repetição) quais os problemas do país, o que pode ser mudado e qual a forma de o conseguir. Espero estar enganado na impressão que agora formei de Rio, e que a correcta fosse a que tinha há uns anos atrás.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.