A proposta de Rui Rio para alterar a composição do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), que o PS finge ir ouvir a contragosto, tem a virtude de nos lembrar como o bloco central dos interesses em Portugal não desiste de tentar voltar a domesticar o funcionamento da investigação. É disso que se trata.

Relembremos: durante décadas, mesmo já depois do 25 de Abril, a Justiça dormiu a sono solto. Foram décadas de um país imaculado, habitado apenas por gente séria. Nesse Portugal, não havia roubos. O único perigo eram os fascistas. Não se aborreciam governantes, políticos, homens de negócios. Não havia traficantes de influências. Acreditava-se que por aqui Giovanni Falcone morreria de fome, não à bomba. E que Baltasar Garzón também não teria que fazer.

Compreendo que o bloco central de negócios, obviamente, tenha saudades desses tempos. Podia aqui escrever os nomes de uma dúzia de conhecidos portugueses com razões para isso.

Não estranho, portanto, o aparecimento da proposta. Ela faz todo o sentido para quem gosta de reduzir a Democracia à autorização para os cidadãos poderem votar e, nos intervalos, dizerem tudo o que lhes vai na gana com a simples condição de não se meterem na lógica com que o dinheiro circula.

A única coisa que não tem lógica, nem política nem outra, é que seja o PSD e Rui Rio a fazerem a despesa da dita proposta.

A ex-ministra Paula Teixeira da Cruz já explicou publicamente a Rui Rio porque é que o CSMP não pode ser comparado ao Conselho Superior de Magistratura – ou, dito de outra forma, porque é que os juízes têm a respetiva independência assegurada e os magistrados do MP dependem de uma escala hierarquizada, que os avalia, escolhe e promove. E até forneceu um exemplo concreto de uma ordem da hierarquia para os procuradores porem fim a um inquérito: aconteceu com José Sócrates no Freeport…

Faz bem, portanto, a senhora PGR, Lucília Gago, em chamar a atenção dos portugueses para esta bizarria dizendo, em conformidade, uma coisa simples de entender para qualquer cidadão atento: que isso “seria uma grave violação do princípio de autonomia” do MP e mexeria nos pressupostos que a levaram a aceitar o cargo, substituindo Joana Marques Vidal.

Rui Rio escreveu, em consequência, algo de perturbador. Isto: “O que, por aí, não se diria se fosse ao contrário: por exemplo, [se fosse] o presidente da Assembleia da República a pressionar a PGR para arquivar um dado processo”, escreveu ele. E, assim sendo, penso que será altura de recordar a Rui Rio o que disse Ferro Rodrigues, numa entrevista à TSF, a propósito do MP ter constituído arguidos três secretários de Estado que aceitaram convites da Galp para assistir a jogos do Euro’2016. Disse que essa decisão era “um absurdo” e um “mistério”! Como exemplo do que vale a separação de poderes, foi, e é, revelador. E já quase que passo por cima daquele episódio, gravado, em que a segunda figura do Estado que temos dizia, em pleno processo Casa Pia, o que valia para ele o segredo de Justiça…

A proposta de Rui Rio é, para mim, uma segunda desilusão. Soma-se à forma como virou costas ao parecer do país no caso da desejada recondução da PGR anterior. E, assim sendo, não há dúvida de que o presidente do PSD está ao lado de quem não deseja a independência do MP. Infelizmente, é assim.