Habituados há anos a conviver com níveis baixos de inflação – até como pré-requisito para a adesão à Zona Euro – eis que agora levantamos as mãos à cabeça por defrontarmos uma inflação, aliás fenómeno generalizado nas economias, que em Portugal se situa marginalmente à volta dos 8%!

Situação esta atribuída a causas específicas que têm directamente a ver com a guerra na Ucrânia e consequentes efeitos no custo da energia e de certos produtos alimentares de base. Mas o certo é que esta tendência inflacionista já vinha de trás, na sequência do combate à pandemia, que injectou liquidez artificial nas economias para a respectiva sobrevivência, e na subsequente disrupção nas cadeias de produção e distribuição do lado da oferta. Ao que, de certa forma acresce a própria política de pendor expansionista desencadeada há anos pelo Banco Central Europeu (BCE), no sentido da salvar o euro no pós-crise das dívidas soberanas, facto que muito ajudou economias do euro fortemente endividadas como a nossa.

Tendo em conta a dimensão e duração da guerra em curso, não vale a pena tomar atitudes passivas de deixar que a guerra passe, convictos de que com tal abrandarão de imediato as pressões inflacionistas. É que a inflação tem exercido contágio sobre outros diversos bens e poderá correr o risco de se converter numa espiral mais ou menos generalizada.

Há, pois, que, com muita rapidez, entrar em acção. Para além das medidas de mitigação dos efeitos sociais – outras medidas nos domínios das políticas monetária (da responsabilidade do BCE na sua missão central de estabilizar os preços), orçamental e de rendimentos e preços. Neste domínio, o Governo tem razão ao insistir numa política convergente e complementar de contas certas, aliás aspecto decisivo se porventura o BCE vier a implementar instrumentos de protecção de subidas de juros aplicáveis a países com peso mais relevante da dívida pública.

Da parte do BCE esperava-se já um pouco tardiamente (decisão finalmente tomada em 21 Julho p.p. e mais musculada do que estava previsto) uma consistente – ainda que faseada – subida das taxas de juro de referência, tendo a consciência dos efeitos recessivos a curto prazo que se sentirão no nível do produto e na taxa de desemprego. Mas, mais vale actuar de imediato, do que deixar à solta uma inflação já cavada esperando que a guerra termine, com a agravante de, no entretanto, serem alimentadas expectativas inflacionistas mais fortes que se tornarão mais difíceis de controlar, e que, certamente, terão efeitos ainda mais nefastos na perda de rendimentos e da competitividade da economia em geral.

Vivemos agora entre nós numa situação algo singular, dado que ainda assistimos na economia portuguesa a um bom ritmo de crescimento do produto, aliado a uma baixa taxa de desemprego. Pois bem, está na altura – designadamente através da política monetária veiculada pelo BCE – de assumir o trade off inevitável (de sentido oposto) entre crescimento económico e nível de desemprego, mas ainda numa situação sem grandes dramatismos.

Se, numa visão de curto prazo, tal se afigura inevitável, podemos interrogar-nos se, numa visão mais a prazo, poderão ir sendo criadas expectativas de contenção sustentada da inflação, desde que assentes em políticas credíveis, sem ambiguidades e compreendidas pela população em geral. Já se questionaram, ainda que noutro contexto, como Portugal  nos anos 90 – tendo como desígnio a adesão à Zona Euro – soube criar expectativas de descida da inflação sem que tivesse que suportar níveis intoleráveis de evolução do produto e do desemprego?

Se puderem ser criadas tais expectativas consistentes, e se elas forem incorporadas o mais rápido possível pelos agentes económicos nas suas decisões, então poderá vislumbrar-se uma contenção  do ciclo de alta de preços. Trata-se de um domínio da economia comportamental a que a gestão da política económica não pode estar alheia, e que exige alguma mestria e persistência.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.