Depois de Jerome Powell, chairman da Reserva Federal norte-americana, ter vergado perante a instabilidade dos mercados financeiros no último trimestre de 2018, na semana passada foi a vez de Mario Draghi, presidente do BCE, adiar os planos de normalização da política monetária.

Para além de ter adiado as projecções de subida de taxas de juro para depois de 2019 (anteriormente após o Verão de 2019), Draghi anunciou ainda um novo programa de sigla extensa, o TLTRO III, que tem como objectivo manter robustos os níveis de liquidez dos bancos da zona euro. Em justificação de mais estímulos baixou as projecções de crescimento da região de 1,7% para 1,1% em 2019.

Se no caso de Powell parece terem sido os mercados financeiros a forçar a mudança – visto que a inflação e o mercado de trabalho norte-americano se mantêm em percurso positivo – no caso de Draghi o abrandamento do crescimento económico da região é mais evidente. Mas por evidente que seja, a verdade é que não foi tão mau quanto podia ter sido.

Os últimos 12 meses foram particularmente pesados para o sentimento económico global, com as tensões comerciais entre os EUA e a China, com reminiscências da crise soberana na Europa, com incerteza interminável relativamente ao Brexit e com algumas crises profundas em economias emergentes. Neste contexto, um abrandamento do crescimento de 1,7% para 1,1% até pode ser considerado contido.

Noutros tempos, em que os bancos centrais não tinham tanto peso sobre as suas costas, o discurso teria provavelmente sido: “O abrandamento relativamente contido do crescimento económico, perante a conjuntura global, revela a resiliência do ciclo económico”. Mas os banqueiros de hoje sentem o peso de mais de dez anos de política monetária expansionista, e de uma economia crescentemente dependente dos estímulos monetários.

Os estímulos monetários são como o estímulo da cafeína. Efectivos no curto prazo, mas de efeito decrescente e com a consequência de alguma habituação/dependência. Com o consumo da cafeína, os agentes normais de activação do corpo ficam enferrujados porque deixam de ser usados – em troca do estímulo externo da cafeína – e quanto mais prolongado o consumo desta, mais o corpo se molda a este estímulo. Depois de vários anos, a economia consome mais de quatro cafés por dia e diz que pouca diferença lhe faz.

Mas não quero assustar os ávidos consumidores de café. Segundo os estudos conduzidos sobre a minha própria pessoa, a “ressaca” do corte do estímulo do café não dura mais que uns dias. São dias de acentuada sonolência, mas não duram para sempre. Depois dessa “ressaca”, o corpo volta a olear os seus agentes orgânicos de estímulo e as coisas regressam ao normal, com uma poupança adicional de 2 euros por dia. Acredito que com a economia o ajustamento seja equivalente.

Os bancos centrais precisam no entanto de coragem para cortar os estímulos monetários. Uma coisa é uns dias de sonolência na vida de um indivíduo, outra é uns tempos de ajustamento na economia de uma região…

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.