Joe Biden é o presidente eleito nas eleições de dia 3 nos Estados Unidos da América. Apesar da ofensiva nos tribunais por parte do Republicano Donald Trump devido a alegadas irregularidades no processo eleitoral, Joe Biden deverá mesmo mudar-se para a Casa Branca.

Os Estados Unidos representam a maior economia do mundo com a maior produção de combustíveis fósseis, a segunda potência com mais emissões atuais no seu território, e a maior emissora mundial se tivermos em conta o legado histórico de todos os anos de emissões acumuladas. É trivial reconhecer que o futuro das políticas estadunidenses são cruciais para o futuro da agenda climática mundial.

De saída está a política do cataclismo climático representada por Trump: por norma exprimindo o negacionismo puro e duro ao contradizer consensos científicos e factos básicos, esporadicamente admitindo que as alterações climáticas até existem, mas que ou até são positivas, ou são responsabilidade da China. A tudo isto soma-se a saída do Acordo de Paris logo em 2017.

Esta política materializou-se no desmantelamento de mais de 100 regulamentações ambientais, como o relaxamento das regras de emissões de veículos e centrais energéticas;  limitações às emissões de metano em operações de extração; das regras aplicadas a aterros de lixo. Para além disto, foram ainda abertos territórios no Alasca para a exploração de petróleo e gás, e deu-se continuação à agenda da exploração via “Fracking” já iniciada na era Obama.

A administração Biden, na campanha eleitoral, prometeu a reversão do desmantelamento das regulações ambientais; algumas limitações ao Fracking”; um plano de 2 biliões de dólares para sem gastos ao longo de 4 anos com o fim de possibilitar o uso de energias renováveis nos transportes, electricidade e construção; e ainda a reentrada dos Estados Unidos da América no Acordo de Paris.

Para lançar os Estados Unidos da América num caminho compatível com as metas climáticas, reverter as políticas da administração Trump está longe de ser o suficiente. A reversão do desmantelamento das regulamentações de Trump e o regresso ao Acordo de Paris apenas devolve os Estados Unidos à era Obama, uma era marcada por iniciativas pouco consequentes no que toca à produção de energias a partir de fontes renováveis e a expansão do Fracking” que tornou os Estados Unidos da América no principal produtor de combustíveis fósseis a nível mundial

O plano de 2 biliões de dólares é um passo na direção certa, mas um valor tímido se considerarmos que será espalhado ao longo de 4 anos, e a envergadura da transição energética necessária. Comparando com os pacotes de estímulos fiscais realizados pelo governo americano, só no passado mês de Março, para fazer face à crise económica gerada pelo confinamento, foi aprovado um plano de estímulos de precisamente 2 biliões de dólares para manter a economia americana de pé, parte deste direto para as empresas do setor fóssil. Face a um novo confinamento, é expectável que um novo pacote de 2 biliões de dólares seja aprovado, e dada a dimensão dos danos pandémicos na economia este poderá não ser o último pacote fiscal.

Se a política de investimentos de Biden parece fraca, a situação ainda é mais tenebrosa quando se olha de perto para o que o presidente eleito tem a dizer sobre o fracking. A campanha eleitoral foi um ziguezague entre banir e não banir a prática do fracking. No final, a posição de não o banir e deixar quase tudo igual parece ter triunfado. Este não é de todo um detalhe na política energética americana, o fracking foi a política energética americana da última década.

O fracking, traduzindo-se como “fratura hidráulica”, é uma técnica de perfuração de rocha através da injeção de uma mistura de água, areia e químicos a altas pressões. Este permite aceder a reservas de gás e petróleo que de outra maneira não seriam acessíveis.

Foi esta técnica que permitiu agigantar a quantidade de combustíveis fósseis que podem ser explorados no vasto território dos Estados Unidos da América, ao “libertar” os combustíveis presos em rocha de xisto . Em 2009 a produção estadunidense era de pouco mais do que de 7 milhões de barris de petróleo por dia. Em 2019 esta ultrapassou os 17 milhões por dia, enquanto a produção de gás fóssil aumentou em mais de 50%.

Em 2013 os Estados Unidos passaram a explorar mais petróleo do que o que importavam. Em 2015 a administração Obama revogou a lei de 1975 que proibia a exportação de produtos petrolíferos explorados domesticamente. Hoje, é graças ao fracking que os Estados Unidos da América são o principal país extrator de energia fóssil do mundo, tendo ultrapassado a Rússia e a Arábia Saudita nos últimos anos.

Enquanto isso, os níveis de metano na atmosfera têm subido conjuntamente com as operações de fracking, com fortes evidências da presença deste gás com efeito de estufa estar ligado à exploração de gás natural. As emissões associadas ao metano na América do Norte são apontadas como responsáveis por mais de metade do aumento das emissões em todo o globo na última década. Adicionalmente, a prática está altamente ligada à contaminação de águas subterrâneas, consumos enormes de água e à potenciação de sismos.

Um negócio lucrativo? Não de todo. Na verdade, as operações de fracking têm vindo sucessivamente a acumular perdas. Esta técnica de extração é dispendiosa, o que torna as operações menos rentáveis do que as explorações convencionais. Durante anos as perdas foram-se acumulando, com a esperança de que ou futuras inovações tecnológicas proporcionassem descidas nos custos, ou que uma subida no preço dos combustíveis fósseis melhorasse os valores de vendas, trazendo assim lucros ao setor.

Uma análise de 2019 dava conta de que apenas 10% das empresas de petróleo de xisto registavam fluxos de caixa positivos. Com a chegada da Covid-19, a situação passou de má a terrível. O confinamento, a quebra da atividade económica e a baixa dos preços da energia abalaram a indústria do fracking. Uma vaga de insolvências assolou esta indústria extrativa, com um estudo sobre 34 empresas cujo total de despesas são superiores às receitas em 29 mil milhões de dólares no segundo trimestre de 2020.

A grande responsável por erguer e manter o fracking foi a política de baixos juros da Reserva Federal americana. O crédito tornou-se fácil através das taxas de juro próximas de zero durante os últimos 10 anos – uma política lançada e mantida pela necessidade de reanimar a economia após a grande crise financeira desencadeada em 2007. Este crédito fácil foi crucial para os avultados investimentos para criar a indústria, e quando os fluxos operacionais não geraram lucros, novos empréstimos serviram para cobrir os antigos.

A quebra no preço dos combustíveis este ano ainda se traduziu num aumento do colosso de dívida de fracking proporcionada pela Reserva Federal. Para evitar uma onda de falências de toda a economia americana, foi iniciado um novo programa de compra de dívida a empresas, totalizando 750 mil milhões de dólares, parte destes acabando nas garras da indústria fóssil.

O fracking é não só um cataclismo climático, como é o reflexo profundo das injustiças económicas, fazendo chover dinheiro público para um setor poluente incapaz sequer de produzir lucros consistentes, enquanto a crise económica atual engole a população já anteriormente explorada.

Trump representava o negacionismo da existência das alterações climáticas, Biden representa o reconhecimento destas, mas a negação da necessidade de tomar as medidas necessárias para as combater. Regressando ao Acordo de Paris, os Estados Unidos voltam ao clube que cita as alterações climáticas como o desafio mais importante da humanidade, enquanto deixa tudo na mesma, via ao colapso. Clube este já povoado pelo conjunto de países da União Europeia, incluindo Portugal, que está pronto a expandir o terminal de gás de Sines para receber o gás de xisto exportado pelos Estados Unidos.

Os primeiros atos de Biden como presidente eleito traduzem esta direção de deixar tudo na mesma, como a nomeação de Cedric Richmond para uma posição central na sua administração. O agora ex-congressista com um historial está carregado de lealdade ao setor fóssil. No seu historial conta com o voto contra a imposição de limitações e regulamentações ao fracking, o recebimento de 341.000 dólares de empresas de petróleo e gás, a promoção da exportação de combustíveis fósseis e o apoio a infraestruturas para o transporte destes.

Biden, ao negar o fim do fracking, compromete uma transição energética nos Estados Unidos da América. Enquanto isso, perpetua o “business as usual” de barões dos combustíveis fósseis que continuam a ter os seus proveitos, mesmo quando as suas empresas são pouco mais do que esquemas pirâmide embelezados que comprometem um planeta habitável.

Renegar Trump não garantiu qualquer rumo via à transição energética. Apenas uma política que confronte os interesses fósseis instalados na economia americana permitirá evitar a catástrofe climática.