Descolou, na semana passada, a 4ª tentativa de privatização da TAP – das três anteriores, apenas uma resultou numa privatização consomada, mas acabou por nunca chegar ao destino e, quase 10 anos depois, voltámos ao ponto de partida. Se olharmos para este processo como se fosse um jogo de estatísticas futebolísticas do Europeu, diria que, depois de termos apertado bem o cinto para doarmos 3.2 mil milhões à companhia, estamos prestes a embarcar numa nova viagem muito turbulenta. E que, na melhor das hipóteses, desqualificará os contribuintes em dois terços desse valor.
Ainda se sabe muito pouco sobre o processo, mas o que se sabe é que se quer restringir: os potenciais compradores têm de pertencer ao setor aeronáutico e têm de ter escala; têm de alavancar e expandir um modelo de negócio específico – o de “hub” – num aeroporto nacional predefinido como sendo o de Lisboa. Um dos problemas é que esta expansão exigida está sujeita a limitações de infraestrutura que vão para além da vontade dos acionistas. O outro problema é que se exige também que o mesmo candidato apresente soluções que valorizem a capacidade da TAP noutros aeroportos nacionais sem recorrer ao modelo de “hub”. Como se tratam de modelos de gestão radicalmente opostos – em que num caso se pretende a todo o custo fomentar o tráfego de passageiros que apenas troca de avião em Lisboa e no outro caso se procura somente satisfazer o mercado natural entre dois pontos geográficos por via de voos diretos – não se entende que o governo imponha aquilo que ele próprio desistiu de fazer.
As companhias interessadas na TAP resolveram este dilema da melhor forma possível: criaram marcas separadas e especializadas, como a Vueling no IAG, a Transavia na Air France-KLM e a Eurowings na Lufthansa e é com essas marcas que abrem bases operacionais em vários aeroportos europeus. Poderão fazê-lo nesses termos no quadro desta privatização? A lista de exigências do governo pode ser ainda pequena, mas ela é política: exclui uma solução “tipo subscrição pública” levada a cabo pela quase-falida SAS; exclui também o interesse de grupos aéreos que, sendo sólidos e com sucesso comprovado na conetividade aérea dos seus destinos, não praticam o modelo de “hub”. O governo não explica, aliás, a razão da sua interferência no tipo de modelo de negócio e porque razão esse modelo deverá ser geograficamente baseado no aeroporto nacional mais movimentado e mais procurado.
É justamente nisto que se nota a enorme insegurança comercial dos políticos quanto ao verdadeiro valor da TAP e com razão: os lucros são magros e artificiais; a privatização não é imposta por Bruxelas; a TAP transporta apenas um quarto dos passageiros dos nossos aeroportos – e se excluirmos os que só mudam de avião e aqueles que resultam da restrição à entrada de concorrentes na Portela por via do controlo dos “slots” , o número de passageiros baixaria para uma percentagem semelhante à que a TAP no Porto (14%).
Se a TAP é naturalmente tão atrativa e se a isso juntarmos as restrições que serão conhecidas no caderno encargos, porque razão é que o governo deixa a porta aberta para uma avaliação subjetiva que não se baseie apenas no critério financeiro do valor oferecido? Este Estado que temos já deu provas de abuso da sua arbitrariedade e das suas prerrogativas legais – razões suficientes para evitar mais subjetividades. Como sempre, o debate distancia-se destes aspetos práticos fundamentais e foca-se na discussão ideológica. Como o professor Sérgio Lazzarini refere no seu livro “A Privatização Certa”, a transparência e as condições do processo de privatização refletem a competência e a integridade do governo. Para qualquer privatização funcionar corretamente e com resultados equilibrados, é preciso haver um governo competente. Um governo desesperado que se quer livrar de um dossier que, noutras circunstâncias, o teria feito cair, não se enquadra nessa descrição. Resta-nos por isso aguardar para saber se a privatização é uma saída de emergência ou se nos levará para mais um beco sem saída.