O Banco Central Europeu (BCE) anunciou um aumento dos salários na zona euro no primeiro trimestre de 2024– um crescimento homólogo de 4,69%. Quiçá queria animar a campanha eleitoral para as europeias. O certo é que a notícia fez tremer os mais conservadores, receosos de uma nova subida da inflação por meio da tão temida espiral salários-preços.
Mário Centeno terá prontamente declarado à Bloomberg que a recuperação económica da zona euro não iria pôr em causa a trajetória de desinflação, nem a convergência para a taxa de inflação alvo de 2%.
Só que a constatação de que os salários europeus escalaram, abriu imediatamente a possibilidade de o BCE não vir a descer as suas taxas de juro diretoras em junho, ao contrário do que vinha sendo vaticinado.
A ter lugar, a diminuição das taxas de juro seria uma antecipação face à Reserva Federal americana e demonstraria um misto ambíguo de satisfação com a trajetória da inflação e preocupação com o desempenho da região. É que as últimas projeções da OCDE para a zona euro apontam para um crescimento de 0,7% em 2024, contrastando com os 2,6% previstos para os EUA no mesmo período.
Prudente, o BCE concluía que, desde 2022, a subida dos salários tem estado acima da tendência de longo prazo, mas esta terá sido uma mera recuperação das perdas salariais reais que resultaram dos choques de preços anteriores.
Já para o think-tank Positive Money, a remuneração dos trabalhadores europeus ajustada pela inflação está hoje apenas ligeiramente acima dos níveis de 2020, sendo o aumento dos salários o resultado retardado do choque energético. E diz-se alinhado com Piero Cipollone, membro da Comissão Executiva do Conselho do BCE, que, num discurso recente, avisou para os perigos de uma preocupação excessiva com a evolução salarial a curto prazo, podendo comprometer a recuperação plena dos salários, necessária para solidificar a recuperação ainda frágil da zona euro.
Segundo Cipollone, os salários reais na zona euro estão mais abaixo do seu nível pré-pandémico do que a produtividade, em contraste com o crescimento do lucro unitário que tem sido elevado em relação à sua média histórica.
De quando em vez, parece ser tolerado um ‘não’ tão ortodoxo nas altas esferas das decisões europeias. Mas nem as suas advertências, nem mesmo os seus indicadores económicos são suficientes para demover os mais céticos, obstinadamente convictos dos seus apriorismos. E lá se privilegia o combate à inflação em detrimento do crescimento económico.
O desfecho também é mais ou menos conhecido – lamentar a abstenção ou pior, o crescimento da extrema-direita, no Parlamento Europeu.