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Samuel Fernandes de Almeida: “Medidas de austeridade apenas contribuirão para uma maior desaceleração e aprofundamento da crise”

Após o confinamento, fiscalista defende que as medidas fiscais deverão centrar-se no apoio à liquidez, apoio ao investimento e capacidade de financiamento e apoio às famílias. E sugere um cardápio de medidas dirigidas às empresas.
24 Maio 2020, 21h00

Samuel Fernandes de Almeida, sócio da área fiscal da VdA, apresenta um conjunto de propostas de medidas ficais para as empresas para mitigar os efeitos da pandemia na economia e ajudar na recuperação. Fiscalista defende que muitas destas medidas já deveriam estar contempladas no retificativo para serem aplicadas de imediato, considerando ainda que o acesso a financiamento e liquidez são as medidas essenciais para as PME. Ao nível das famílias sugere a redução das taxas de retenção na fonte de IRS para  permitir uma maior liquidez mensal.

 

Como é que será a recuperação económica? Esta é uma crise diferente, que não foi motivada por desequilíbrios macroeconómicos, a retoma poderá ser, por isso, mais rápida?

Julgo que é prematuro fazer grandes previsões nesta fase, pois desconhecemos duração da pandemia e sobretudo se ocorrerá uma segunda fase de confinamento que seria muito impactante em termos económicos. Em teoria, a retoma deverá ser mais célere mas depende igualmente do grau de destruição do tecido empresarial. Existem setores como a aviação em que apenas se prevê retomar os mesmos níveis de atividade a partir de 2022/2023. Haverá setores de rápida recuperação e outros fortemente condicionados pelas condições de saúde, mesmo em desconfinamento gradual.

O aumento de impostos será inevitável?

Parece existir algum consenso que neste momento quaisquer medidas de austeridade apenas contribuirão para uma maior desaceleração e aprofundamento da crise. É expectável uma fase de expansão orçamental com diversas medidas de apoio à economia (fiscais e extra fiscais) e numa fase subsequente a reposição de medidas para reequilíbrio orçamental. Dependerá muito de país para país, da capacidade de intervenção global da UE a esta crise e do impacto da crise sanitária em termos económicos. Países fortemente expostos a certos mercados ou à venda de crude tenderão a ter crises mais profundas.

Após o confinamento, quais as medidas fiscais que deviam ser tomadas para as empresas?

Do ponto de vista fiscal parece-me que as medidas deverão centrar-se em três eixos, apoio à liquidez, apoio ao investimento e capacidade de financiamento e apoio às famílias. Deixo algumas sugestões: o alargamento do prazo de reporte de prejuízos (para a frente) e com um prazo temporal determinado para eventual reversão da medida; o aumento do limite de um milhão em termos de EBITDA fiscal em relação aos limites ao endividamento; o aumento dos rácios de endividamento para efeitos de subcapitalização; a redução do Imposto do Selo sobre financiamento afeto a atividades produtivas e depreciações aceleradas para certos bens de investimento.

Sugiro ainda o reforço dos apoios fiscais para start ups face à dificuldades destas entidades acederem a financiamento, o reforço dos limites e benefícios fiscais à capitalização das empresas e a suspensão em 2020 dos pagamentos por conta e especial por conta para PME. E também a eliminação de restrições – exceto em casos de falta de substância económica, nomeadamente limite de 50% nas mudanças de controlo para efeitos de continuação do reporte de prejuízos, bem como a reposição dos incentivos em sede de IRC para a contratação de desempregados (outro flagelo a combater no imediato).

Para 2021 deveria ser equacionado um pacote de medidas mais direcionado para o turismo e imobiliário, isto na eventualidade de se confirmar a dificuldade de retoma destes setores.

O OE retificativo deve já sinalizar essas medidas para 2021 para dar previsibilidade aos agentes económicos?

Muitas destas medidas já deveriam estar contempladas no retificativo de forma a serem aplicadas de imediato e no exercício fiscal de 2020.

Como pode o Governo aumentar ‘o poder de fogo’ das PME?

O acesso a financiamento e liquidez são as medidas essenciais para as PME. Algumas das medidas que assinalei são precisamente destinadas a este efeito.

Que medidas fiscais deviam ser tomadas para aumentar o investimento? Recuperar o super crédito fiscal seria uma boa medida?

Poderia ajudar, Uma das medidas críticas passa por não implementar as alterações anunciadas em termos de golden visa, pois este instrumento e o RNH (Residentes Não Habituais) são dois poderosos fatores de atração do país, sobretudo para os setores do turismo, restauração e imobiliário. Diria que outra medida a considerar para 2021 seria um plano de medidas destinadas a incentivar investimentos em projetos de elevada componente tecnológica, agricultura sustentável e saúde. Estes são setores que vão crescer com a crise.

A redução do IVA na restauração faz sentido pata apoiar o setor?

Teria de ser calculado o impacto orçamental mas a anterior redução já custou mais de 400 milhões de euros. Talvez existam outras medidas menos onerosas em termos orçamentais.

E ao nível da manutenção do emprego deviam ser reforçados os incentivos fiscais?

Essa é uma área crítica pois findo os lay off e as medidas de apoio, as empresas poderão despedir ao final de 60 dias. Fiz uma proposta para incentivo à contratação líquida.

Para as famílias que medidas fiscais deviam ser tomadas? Há condições para retomar a reforma do IRS em 2021, nomeadamente o prometido alívio fiscal à classe média?

Não sei se existem condições para uma revisão e baixa significativa dos escalões já em 2021. Creio que um aumento das deduções à coleta já teria um impacto significativo no IRS a pagar, assim como uma redução das taxas de retenção na fonte de IRS, permitindo maior liquidez mensal às famílias.

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