Ao fim três meses, a situação na Ucrânia não parece caminhar para uma solução rápida. A incerteza está a fazer aumentar as preocupações sobre o impacto negativo da guerra na economia europeia, tendo em atenção que a Rússia é um dos principais fornecedores de petróleo e gás às regiões da Europa Central e do Norte.
Logo que se iniciaram as hostilidades, a União Europeia deliberou a aplicação de sanções à Rússia, como forma de apoio à Ucrânia, vítima de agressão. Mas logo surgiram reticências quanto a alargar as mesmas ao petróleo e gás natural. Como quase sempre nestas questões, a resposta não é fácil, sobretudo porque a guerra introduz um elemento de irracionalidade e imprevisibilidade.
Para quem esteja em Portugal ou Espanha é fácil defender que as compras de produtos energéticos à Rússia devem ser imediatamente suspensas, para que a Europa não contribua financeiramente para a manutenção do esforço bélico russo. E pode dar-se o exemplo da Galp, que tomou essa decisão sem maiores impactos do que ter de encontrar uma fonte alternativa para o abastecimento de gasóleo de vácuo, componente de que a Refinaria de Sines necessita para o fabrico de gasóleo rodoviário.
A mesma facilidade não existe na Europa Central, que, por razões de natureza geográfica, económica e geopolítica está muito mais dependente do petróleo russo. Trata-se de uma região interior, sem saídas para o mar, e com constrangimentos evidentes no desenvolvimento de alternativas de abastecimento de petróleo e gás natural.
Por outro lado, está mais próxima das regiões produtoras do Norte da Rússia do que de qualquer outra, o que facilita as decisões de aquisição, na medida em que os custos de transporte tornam os produtos mais económicos. E não se deve esquecer que terminada a Guerra Fria, se acreditou que a apetência para o desenvolvimento económico proporcionado pelas condições de paz iria garantir a estabilidade.
Por isso se executaram enormes projectos de refinarias e redes de pipelines de transporte e distribuição, ligados directamente às regiões produtoras russas, e se considerou menos importante a criação de infraestruturas alternativas que permitissem a recepção de produtos de outras regiões. Era visível que se estava a criar uma situação de dependência relativamente a um único fornecedor, mas a pujança da lógica económica neoliberal sobrepôs-se a receios de natureza geoestratégica, que pareciam resquícios de uma era confrontacional que estaria definitivamente enterrada.
A realidade veio demonstrar que as linhas-mestras que durante séculos orientaram o pensamento geoestratégico russo resistiram melhor do que o que se poderia esperar à perspectiva de prosperidade que resultaria do crescimento económico constante, resultante da nova ordem mundial pós-Guerra Fria.
Esta constatação ainda não foi digerida na Europa, sendo disso reflexo a dificuldade em acordar o novo pacote de sanções, em que se incluem medidas para cessar rapidamente as importações de petróleo russo (curiosamente, o pacote anunciado parece não incluir medidas relativas ao gás natural, que afectariam mais do que proporcionalmente a economia alemã).
É que uma decisão dessa natureza tem custos evidentes para as economias dos países que mais dependem dos fornecimentos de petróleo russo, que teriam rapidamente de desenvolver não só soluções de abastecimento alternativo, o que à partida se afigura extremamente desafiante dada a dimensão dos projectos a executar, mas também de investir montantes muitíssimo importantes na reconfiguração das suas refinarias.
Além do tempo exigido pela concepção e execução desses projectos, seria também necessário que os mesmos fossem financiados por fundos a obter quer nos mercados quer junto das instituições comunitárias. Mas uns e outros desses fundos actualmente são mais difíceis de obter, porque é dada prioridade a investimentos em sectores menos agressivos para o ambiente. E como os projectos seriam para executar urgentemente, seriam também mais caros e, por conseguinte, menos rentáveis.
Mas a produção e o consumo mundiais não são elásticos. Se a Europa deixar de comprar petróleo à Rússia, terá de o adquirir noutros mercados, onde terá de concorrer com os actuais clientes (sobretudo a China e a Índia), provocando uma subida natural dos preços. Ao mesmo tempo, China e Índia serão os clientes naturais do petróleo russo que deixou de ser vendido à Europa, mas que está disponível no mercado.
Ou seja, se as sanções não forem bem pensadas, a Europa corre o sério risco de vir a ser a principal vítima delas.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.