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“Santander só tem uma estratégia: crescimento orgânico”

Isabel Guerreiro, administradora executiva do Santander, é responsável pela área comercial que gere particulares e pequenos negócios. Liderou a transformação digital em Portugal e nos outros mercados europeus.
23 Maio 2025, 07h19

Acabou-se a fase dos juros altos, os resultados dos bancos já começaram a cair.
A comparação decorre de uma alteração profunda da taxa de juro, que nos levou a uma posição talvez irrepetível. Mas eu diria que a fórmula que temos continuará a ser aplicada: grande foco nos clientes, não só em aumentar o seu número, mas também em vincular e fidelizar. Ou seja, continuar a trabalhar a nossa base existente. O caminho tem sido impressionante do ponto de vista de evolução. Desde que o Pedro [Castro e Almeida] chegou, esse tem sido o nosso mantra.

Os acionistas esperam sempre que os resultados se mantenham ou está convencida que se vão habituar a resultados inferiores?
Os acionistas também fazem alguma contextualização, embora seja importante dizer que temos ganho clientes. Só ano passado captámos mais de 200 mil. Os nossos números… os nossos indicadores são bastante bons.

O Santander tem conseguido um aumento expressivo na produção de crédito, hoje está numa posição de liderança. Admitem reduzir margem para conseguir mais escala?
É uma combinação de muitas coisas, o preço é uma delas, mas eu diria que não é a mais importante. Se estivermos a falar de diferenças abissais, claro que o spread é importantíssimo.

O que são diferenças abissais?
Muitas vezes as pessoas pensam mais no valor da prestação e não no spread. Uma das funções que desempenhei antes de entrar no board foi a de ser a responsável pela área digital. Foi aí que criámos aquela que foi a primeira tribo digital focada na habitação. Nessa altura tive a oportunidade de entrevistar muitos clientes, muitos mesmo. Nossos, mais ou menos prósperos e até clientes que não nos escolheram como banco.

Cientes da concorrência…
E a mensagem que tive de todos eles, e que continua a ser a mesma, é que querem que os ajudemos a tomar uma decisão rápida. Eu, cliente, preciso de saber se me aprovam ou não determinada operação. A rapidez é um fator determinante, é mesmo essencial no processo de decisão. Se calhar, mais do que pensar em diferenças de dois ou três pontos base nas diferentes ofertas, a capacidade de darmos uma resposta rápida e vinculativa é o que dá confiança ao cliente.

Nos clientes que têm um orçamento familiar mais restrito, a diferença de alguns pontos no spread faz diferença…
Faz diferença nalguns casos, sim, não contesto Mas, repare, temos uma oferta, e aqui também somos líderes, para o crédito à habitação dos jovens que recorrem à garantia do Estado. A existência desta garantia teve, tem e continuará a ter peso na nossa produção. Tudo isto conta. Mas insisto: penso que a partir do momento em que os valores das prestações são significativamente diferentes, aí sim, se calhar a história passa ser outra. Mas eu estou convencida de que o tema mais importante para os clientes é a forma como eu, banco, sou rápido no processo de decisão. Ora bem, nós, Santander, temos a sorte de conseguir tomar uma decisão em minutos. O cliente diz-me os seus dados, e eu, assumindo que aquilo que me disse corresponde inteiramente à verdade, no sentido em que depois o banco vai confirmar documentalmente as condições… e eu consigo dar-lhe a resposta em minutos. Quando digo minutos são mesmo minutos e a decisão é vinculativa.

A rapidez no processo de decisão é, portanto, um fator em que o banco se quis singularizar…
Quando pensámos como é que íamos fazer este caminho, identificámos três ou quatro indicadores, como agora está na moda dizer. Quais são esses indicadores? O tempo, naquilo que nós chamamos o time to yes, o NPS [medida que avalia a satisfação do cliente] e a eficiência do processo. São os fatores que definimos que marcariam o nosso sucesso.

O Santander teve direito a 259 milhões de euros de garantia pública para cobrir cerca de
15% do crédito jovem que for concedido. Vão pedir ao Estado para estender essa cobertura?
Temos condições para poder fazer essa extensão, sim.

Tem condições ou vão fazer?
É provável.

Liderou a transformação digital do banco em Portugal e no mercado europeu. Somos todos mais ou menos iguais?
Os mercados são bastante diferentes. Eu tenho a sorte, além de ter esta função em Portugal executiva, também sou membro do supervisory board da Polónia. O terem-me escolhido não foi uma coincidência, acho que estavam também a procurar pessoas com o meu perfil. A Polónia é um país grande, com uma população muitíssimo mais jovem do que a nossa, muito digital savy.

Mais do que nós?
Sim, mais do que nós.

E como é que isso se traduz?
Traduz-se na interação de clientes digitais, naquilo que esperam do banco do ponto de vista de interação digital. A Polónia tem uma história interessante. Eles não tiveram os ATM. No fundo, eles fizeram aquilo que tipicamente é o leapfrogging. Saltaram de um modelo de banco muito clássico para o digital, o que resulta também do facto de terem uma população mais jovem e muitíssimo bem formada. A qualificação é bastante elevada e isso é chave.

Todos os países de Leste têm essa característica.
É realmente a sua história.

O bloco soviético…
… teve esse efeito.

Provavelmente, o único aspeto positivo foi esse.
Mas esse é bastante vincado e, portanto, tem uma alta percentagem de clientes digitais. Em termos europeus é de longe o país que tem maior percentagem de clientes digitais e tem até alguns digital players.

Qual é a percentagem de clientes digitais?
Perto de 80%. O conceito é muito simples. O cliente digital é todo e qualquer cliente que utilizou, pelo menos uma vez nos últimos 30 dias, um dos canais digitais do banco.

É uma definição um pouco fraquinha.
Não estou de acordo. A Polónia tem 80% dos seus clientes, ou perto de 80% dos seus clientes ativos, que são digitais e a grande maioria deles utiliza numa base, como eu disse, diária.

Esta entrevista está a ser feita no Workcafé do Santander, ao pé das Amoreiras, em Lisboa. Não é um balcão tradicional, tem outras características, as pessoas vêm para aqui trabalhar. Este modelo irá substituir aquilo que são as agências tradicionais?
Penso que a tendência será um pouco nesse sentido. O nosso posicionamento estratégico é que somos um banco digital em que os balcões são um fator diferenciador porque destinam-se não só a servir uma base de clientes mais envelhecida ou menos sofisticada do ponto de vista da compreensão e utilização das plataformas digitais, mas também para criar uma dimensão de empatia. Queremos criar relacionamento. Como lhe disse, eu faço entrevistas com clientes. No âmbito do crédito à habitação fiz imensas. Uma das perguntas que eu fazia era exatamente essa: se o consideraria viável tratar todos os aspetos do processo de forma 100% digital. A resposta, quase unânime, era sempre: não, eu quero saber com quem posso falar e quero saber que tenho alguém do outro lado.

Ou seja, é preciso ter essa âncora na relação banco-cliente. E, no entanto, a inteligência artificial (IA) vai ocupar funções hoje desempenhadas por pessoas. O “Financial Times” noticiou que o UBS lançou avatares de analistas para fazer apresentações de vídeos…
Nós já utilizamos IA em escala há alguns anos. A IA mais clássica, a que tipicamente chamamos de machine learning. O que aconteceu com o aparecimento do OpenAI foi começarmos a utilizar IA generativa, ou seja, que gera e cria. Obviamente, estes modelos continuarão a ter que ser treinados pelo banco ou por outras organizações. Portanto, sim, a IA é uma peça fundamental em qualquer setor. O exemplo que deu da UBS, ou seja, ter um co-pilot é algo que vejo como uma enorme mais-valia.

Há um escritório de advogados de Londres que criou um bónus para os seus advogados se eles atingirem um determinado nível de utilização de uma certa plataforma de IA. O objetivo é reduzir o risco dos advogados utilizarem outros modelos de inteligência artificial, pondo em risco ou partilhando informação sensível do banco em plataformas não-seguras.
Sim, esse é um risco relevante. Há uma primeira questão que tem a ver com a propriedade intelectual. O “New York Times” pôs um processos ao OpenAI porque eles utilizam os dados e a informação proprietária do jornal. Do ponto de vista da cibersegurança, temos regras restritas, não só de comportamentais, mas até de sistemas, que impedem a circulação de informação do banco. Acresce a isto o facto de termos os nossos próprios modelos, modelos que treinamos, embora isto não queira dizer que não utilizemos alguns modelos de open source. Em último lugar, acreditamos que o GeneAI é uma ferramenta muito importante tanto da eficiência, mas também na eficácia.

Na eficácia, porque valoriza, aumenta a qualidade do serviço?
Deixe-me contextualizar. Imagine que temos alguém que está a conversar consigo. Ora bem, eu sei quais são os seus gostos, sei que gosta do Sporting, sei que gosta de fazer desporto. Ou seja, provavelmente a forma como o vou abordar será mais eficaz.
Como é que isso se cruza com a necessidade de preservar a privacidade das pessoas?
O Digital Act (europeu) tem regras bastante claras. É das áreas onde eu penso que a regulação faz bastante sentido. A Inteligência Artificial pode e deve ser usada, por exemplo nas áreas da saúde e no crédito, mas é muito relevante que exista essa proteção. Neste aspeto, podemos todos ficar tranquilos. Não vai ser utilizada informação em detrimento da privacidade.

A Wizink anunciou que vai trazer para Portugal uma plataforma que trabalha o “compre agora, pague depois”. Anunciou também que vai começar a receber depósitos. Como é que o Santander está preparado para esta concorrência?
Na componente do crédito online, com decisão e crédito imediatos, temos essa solução desde 2017 e ela já representa mais de 70% das nossas operações de crédito pessoal, embora haja uma diferença relevante: não trabalhamos naquilo a que chamamos open market, trabalhamos apenas na nossa base de clientes existentes, sobre quem temos informação. Portanto, 70% da nossa oferta é feita por esta via e a decisão do banco é muito rápida. Ela é tomada em minutos, literalmente menos de cinco minutos. A explicação é simples: temos a capacidade, através dos nossos modelos de scoring de risco, que são muito sofisticados, de afinar a decisão. Isto resulta dos investimentos que fizemos na transformação digital. A riqueza de informação que temos permite-nos tomar uma decisão muito depressa.

A concorrência, e esta é uma área, a do consumo, onde os franceses já são muito fortes em Portugal, não coloca mais pressão sobre este segmento?
A concorrência é sempre salutar, mas também sei que comparamos muito bem com as outras ofertas. Quanto às soluções buy now, pay later, também temos oferta. Recordo-lhe que esta era uma coisa que só víamos no mercado brasileiro, o chamado parcelado.

Como avalia o risco de as pessoas assumirem compromissos financeiros que, não sendo imediatos, acabam sempre por bater à porta?
O Santander é sempre gerido com prudência. Um dos vários fatores que nos distingue é aquilo que chamamos de cost of risk, que é precisamente a forma eficaz e sofisticada com que gerimos os modelos de risco. Tudo automatizado.

O CaixaBank está de olho no Novobanco, como é que olha para essa possibilidade?
Acho que o nosso presidente já respondeu a isso. O Santander, tanto quanto é do meu conhecimento, só tem uma estratégia de crescimento orgânico.

Não vos interessa o importante negócio que o Novobanco tem nos clientes empresariais?
É um banco particularmente relevante para as empresas, sim… Acho que a concorrência nunca nos assusta.

Resposta politicamente correta.
Olhamos sempre… estamos atentos quando a concorrência se movimenta. Procuramos avaliar os movimentos e agimos em conformidade.

Falta cada vez menos tempo para uma mulher assumir num cargo de liderança de um banco em Portugal? Continua a ser um clube de rapazes…
No board do Santander somos seis e duas são mulheres, ou seja, 30%. Com toda a franqueza, acho que temos um presidente ótimo, o Pedro Almeida e Castro. É um assunto em que não penso. Neste momento, tenho tantos desafios pela frente que é assunto que nem me passa pela cabeça.

O que destaca do resultado destas eleições legislativas?
Penso que banca e política nunca se devem misturar. Mas digo-lhe o seguinte: para este setor, como creio ser verdade para todos, é muito importante a estabilidade, é muito importante a confiança. A confiança de que o amanhã será assim. É importante sabermos o que vai acontecer. A economia não gosta de incerteza, as famílias não gostam de incerteza, ninguém gosta de incerteza. E este setor, sendo tão pró-cíclico, ainda está mais exposto, no sentido de ser muito vulnerável ao que está a acontecer. Portanto, o que é que eu espero enquanto cidadã, se calhar até mais do que para o banco, é que haja estabilidade. Penso que fizemos um caminho. É importante manter as contas públicas equilibradas. A forma como as agências de rating olham para nós tem efeito em todas as empresas.

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