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Sara, Jaime, Tiago são amigos imaginários de centenas de crianças portuguesas

Desde os três anos que a filha de Carolina Coelho fala de Cauitsbul, a amiga imaginária que a acompanha para todo o lado. “Senta-se no carro com ela e põe-lhe o cinto. E às vezes janta connosco à mesa”, conta-nos. No verão passado, a criança voltou a dar asas à sua imaginação e deu-lhe um […]
15 Setembro 2019, 12h31

Desde os três anos que a filha de Carolina Coelho fala de Cauitsbul, a amiga imaginária que a acompanha para todo o lado. “Senta-se no carro com ela e põe-lhe o cinto. E às vezes janta connosco à mesa”, conta-nos. No verão passado, a criança voltou a dar asas à sua imaginação e deu-lhe um irmão, o Janet. A mãe confessa que a filha “é uma miúda super normal, muito criativa e feliz” e garante que sempre “normalizou a situação”. Na verdade, os amigos imaginários têm um papel positivo e construtivo no desenvolvimento cognitivo e emocional da criança, e quem o diz é Marta Fernandes, psicóloga clínica e especialista em desenvolvimento consciente. “Ter um amigo imaginário envolve a estimulação de várias competências, como a imaginação, a criatividade e o vocabulário”, explica.

Este é um fenómeno comum no desenvolvimento infantil e surge tipicamente entre os dois e os três anos de idade até por volta dos seis. Mas nem todos têm uma forma humana. A filha de Alexandra Macedo teve um pássaro fechado na mão durante meses. Dizia que o animal não tinha mãe e que “precisava de miminhos” e recusava-se a abrir a mão. Alexandra começou a ficar preocupada quando a criança começou a ficar com “vincos feios na palma da mão” pela força que fazia na tentativa de o impedir de fugir. A psicóloga Marta Fernandes esclarece que estes ‘amigos inventados’ “podem servir para projectar sentimentos e emoções com as quais a criança tem dificuldade em lidar, como alguns medos ou receios” e convida os pais a aproveitar estas situações para se “conectarem e compreenderem melhor a criança e aquilo que ela sente naquele momento. Por exemplo, quais são as necessidades que estão a ser transferidas para aquela personagem”.

A imaginação da criança não tem mesmo limites. E é normal. “Até aos quatro anos de idade, prevalece uma confusão, esperada e normativa, dentro do desenvolvimento infantil, entre o que é a Realidade e o que é a Fantasia. Aliás, o “faz-de-conta” é muito estimulado nesta faixa etária”, explica a especialista. Prova disso são os vários testemunhos reais que recolhemos na construção deste artigo.

A filha de Rita Doce “tinha duas amigas que moravam na parede” e a de Maria João “tinha uma prima chamada Sara” e falava dela tão convincentemente que “até a educadora achava que existia”. Já a filha de Rita Rodrigues “anda na rua de mão dada com o amigo inglês”. O filho de Maria Clemente tinha três casas inventadas “cheias de brinquedos fantásticos”. Uma era dele, a outra ficava em Marte e a última em Saturno. Na quinta imaginária do filho de Francisca Cachão há “motas, animais, carros e moedas de mil euros”. Já o Beto, que vestia umas calças cor-de-rosa da Hello Kitty, era a companhia imaginária da filha mais velha de Belinha Gomes. Por último, ainda há o Rocky, fruto da criatividade do filho de Ana Oliveira, que “era pequeno e andava por baixo dos móveis”.

Os pais devem ter um papel ativo nesta fase “sem nunca ridicularizar o amigo imaginário da criança”, diz a psicóloga. Devem, por sua vez, tentar conhecer este amigo “através da criança” sem dar “demasiada importância” ao assunto. Apesar de poder ser difícil de lidar com estas situações, os pais “não devem chamar a criança e o seu amigo imaginários para a mesa à hora da refeição”, aponta a especialista.

Por vezes, estes produtos da imaginação infantil são ‘usados’ pelas crianças para desculpar comportamentos reprováveis, recorrendo a eles como álibi. O filho de Rita Appleton Figueira, por exemplo, culpava o Buda sempre que fazia asneiras. Nestes casos, Marta Ferreira sugere que os pais expliquem que o erro ou a asneira faz parte da realidade e que, entre todos, tentem encontrar formas para que não se repitam.

Mas este desfasamento da realidade pode ser perigoso? “Só nos casos em que a criança se comece a isolar, preferindo brincar com o amigo imaginário em vez de com os amigos reais.”, explica Marta Fernandes. Outro sinal que merece atenção é a presença contínua e regular destes amigos depois dos sete anos de idade. “Nestes dois casos, recomenda-se a procura de um psicólogo”, alerta.

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