Dizer que tenho saudades do Pacto de Estabilidade é sacrilégio? Há dias, quando a presidente da Comissão anunciou a suspensão do Pacto, tive um sentimento ambivalente. De facto, com as despesas estatais a dispararem em todos os Estados, que outra decisão poderia ela tomar? É como se passássemos a andar a 180 km/h nas auto-estradas e a GNR dissesse que não nos ia multar a todos! Nessa “generosidade”, vi um presente envenenado.

O Pacto de Estabilidade é o “código da estrada” do euro. As suas regras, que viriam a revelar-se insuficientes, foi aquilo que o ministro das Finanças alemão, Theo Waigel, nesse tempo em que era ainda Bona e não Berlim, aceitou prescindir do Marco, considerou o mínimo indispensável para os países poderem fazer parte do euro.

Tinha regras fixas, outras tendenciais, e, pouco tempo depois da sua entrada em vigor, logo se constatou uma realidade não escrita: o Pacto era para ser cumprido com rigor pelas economias mais fracas mas tinha uma “elasticidade” maior quando os prevaricadores fossem dos “powers that be” europeus. Ou, como um dia disse Jean-Claude Juncker, quando perguntado por que não era sancionada a França: “parce que c’est la France!”. Depois do Pacto, o Tratado Orçamental e algumas outras regras viriam a somar-se aos requisitos para os membros do euro.

Por que tenho saudades do Pacto de Estabilidade? Porque foi graças ao cumprimento escrupuloso da sua regra do défice máximo que Portugal, apesar de ter uma dívida monstra, pôde começar a ir aos mercados para a “reciclar” a taxas cada vez mais baixas. Por isso Centeno preside ao Eurogrupo. A geringonça é, no fundo, um filho “bastardo” do Pacto de Estabilidade. Os “compagnons de route” do PS mantiveram a sua retórica irresponsável contra o Pacto, mas foram “comprados” com a recuperação de rendimentos e uma limitada reversão nas privatizações, que financia a máquina sindical comunista.

O nosso futuro, na sua extrema complexidade, vai agora ser muito simples. Portugal, bem como os outros países com dívida alta que os mercados olham com desconfiança, está num dilema. Ou consegue assegurar que tudo quanto vier a gastar acima das taxas máximas de défice previstas no Pacto será coberto por um qualquer modelo de raiz europeia que, a curto ou médio prazo, não impacte no seu serviço de dívida ou, na ausência desse suporte, se a dívida soberana portuguesa vier a ter de acumular mais esses astronómicos montantes, as taxas de juro que pagamos nos mercados vão disparar, a nossa dívida dá um salto gigantesco e a permanência no euro fica em sério risco.

Os mercados não são nem europeístas nem solidários. De momento, estão relativamente quietos, porque todos os Estados estão ainda no mesmo barco. Quando uns passarem para iates e outros para cascas de noz, os efeitos da tempestade serão muito diferentes para cada um. Por isso, seria essencial que o nosso défice regular regressasse ao conforto do Pacto de Estabilidade e que o défice excedentário passasse a ser coberto por mecanismos europeus – chamem-se coronabonds, moratórias ou seja lá o que for.