A atual crise demonstrou a importância de apostar num Sistema Nacional de Saúde robusto que possa fazer face a um problema de âmbito nacional, trouxe para primeiro plano, e paradoxalmente, um discurso político centrado na ideia de que é necessário fazer uma escolha entre economia e saúde.

As opções do Governo estariam sujeitas a um trade-off, tendo os decisores que eleger entre beneficiar a economia levando ao prejuízo da saúde, ou beneficiar a saúde em detrimento da economia. Mesmo conhecendo a complexidade de qualquer crise, a solução para a atual tem insistido repetidamente numa única dimensão, como se, na prática, fosse possível compartimentar a nossa existência em áreas estanques.

Não existe uma dicotomia entre economia e saúde, sendo ambas extraordinariamente importantes e requerendo sim uma boa articulação. A relação entre níveis de PIB per capita e um conjunto de indicadores de bem-estar é mais do que evidente à escala global.

No seu Daily Chart de 16 de novembro, a revista “The Economist” analisava como os países ricos, com o Japão à cabeça, se mostram extremamente vulneráveis à pandemia, apresentando as mais altas taxas de fatalidade por infeção por Covid-19, em resultado da média etária elevada das suas populações. O menor destes indicadores era reportado pelo Uganda, com uma idade média da sua população da ordem dos 17 anos.

Em geral, com melhores sistemas de saúde e níveis de desenvolvimento superiores, as economias mais ricas têm também as populações mais envelhecidas do mundo, um efeito positivo da sua aposta no setor da saúde. Ironicamente, a sua longevidade, conseguida com anos de investimento na prevenção e tratamento de doenças, mas também em melhor alimentação e até desporto e lazer, redundou na sua maior vulnerabilidade.

No entanto, é também o desenvolvimento do seu setor de saúde que tem permitido que estas taxas de fatalidade não sejam ainda mais elevadas, como muito provavelmente aconteceria no Uganda, se este país apresentasse a média etária do Japão.

De acordo com o INE, em Portugal a esperança média de vida à nascença passou de 67,1 anos em 1970, para 80,9 anos em 2018. Este salto notável no indicador de longevidade foi uma conquista civilizacional, mas também económica, sendo o resultado de investimento sustentado num sistema nacional de saúde de cariz universal, tornado possível por se mobilizarem recursos económicos para tal.

O crescimento económico dos últimos 50 anos permitiu alargar a despesa com bens públicos como educação e saúde, melhorando a qualidade de vida da população em geral. Simultaneamente, foi também uma população cada vez mais instruída, com acesso a cuidados médicos e, portanto, em média, cada vez mais saudável, que se foi tornando progressivamente mais produtiva, acelerando o crescimento da economia do país.

A produção cresceu em resultado de investimento em capital físico, mas também em capital humano que, concebido num sentido lato, abrange o conceito de capital saúde.

Não é possível resolver o problema da saúde sem a economia, assim como uma economia sã requer uma população saudável e hoje é ainda alimentada pelas despesas com a saúde, tendência que tenderá a acentuar-se com o envelhecimento populacional. É vital sustentar e até reforçar o SNS – o sustentáculo da resposta à pandemia – de uma das economias mundiais com maior longevidade, mas esta tarefa será tanto mais difícil quanto mais acentuada for a quebra da atividade económica.

As dificuldades serão menores a curto prazo, enquanto a memória da pandemia estiver presente, tolerando-se o inevitável agravamento do défice público. A mais longo prazo, os arautos do equilíbrio das contas públicas e da proteção do setor privado não tardarão a deslembrar-se e seguidamente sugerirão encolher o ineficiente Estado e reduzir as suas despesas com saúde.

O balanço entre economia e saúde é delicado, mas um setor de saúde robusto requer uma economia forte. Deixar ruir a economia hoje, pagar-se-á a prazo com o colapso da saúde.