Em final de 2015, quando tomou a liderança do Governo português, assente numa inédita parceria com o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda que ficou conhecida como geringonça, o Partido Socialista e António Costa prometeram aos portugueses que a austeridade pertencia definitivamente ao passado e diabolizaram Pedro Passos Coelho, líder do governo anterior, que ficou na memória dos portugueses como o rosto dos cortes, o arauto da desgraça, o amigo da troika.

Posta de lado a laranja amarga que governara o país durante quatro penosos anos, tentando, afanosamente, apanhar os cacos que José Sócrates e companhia haviam deixado, vimos surgir uma rosa brilhante, capaz de prometer tudo a todos e conjugando com uma facilidade inusitada o verbo “repor”.

Três anos volvidos, a maioria dos portugueses está mais feliz, considera-se mais rica, acha que se virou decisivamente a página da austeridade, mostra-se confiante de que o dinheiro tem uma cor diferente daquela que tinha há alguns anos atrás. Daí que não seja de estranhar que peça mais, que reivindique, que exija, que, levada ao colo pelas constantes suplicações do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, a maioria da população queira trabalhar menos e receber mais.

Acontece que, depois de anos sucessivos a proclamar a viragem da página, o PS aparece agora, quiçá para não contrariar o Ronaldo das finanças públicas, entretanto catapultado para a presidência do Eurogrupo, com um discurso passista, afirmando que não é possível dar tudo a todos, que, afinal, Portugal não é tão rico como muitos supunham, que há que fazer opções, que temos que ser realistas.

Ora, este discurso, sério e consciencioso, não se coaduna com o discurso socialista do início do mandato, em que nos foi prometido que tudo iria ser reposto, que não mais ouviríamos falar em dificuldades, cortes, aumentos de impostos, congelamentos, antes passaríamos a conviver diariamente com reposições, descongelamentos, reduções de impostos, aumentos salariais, diminuição dos horários de trabalho, majoração das férias, etc., etc.

Num momento em que a geringonça parece finalmente abanar, depois de sucessivos anos de uma calmaria que nem os mais otimistas poderiam prever, os socialistas procuram, como aliás sempre foi seu apanágio, dar uma numa cravo e outra na ferradura, assumindo, quase em simultâneo, que não há dinheiro para fazer a vontade aos professores, mas há folga orçamental para reduzir em 12,5% os horários da saúde, passando-os de 40 para 35 horas semanais.

Por isso, ou acreditamos que há pessoal a mais nos serviços de saúde em Portugal, podendo, sem se afetar a qualidade dos serviços prestados, reduzir-se os horários dos profissionais da área, ou, alternativamente, o Governo irá reforçar os quadros de pessoal em pelo menos 12,5% para que possamos continuar a ter um serviço ao nível do que tínhamos na véspera desta magnânima decisão.

Desta forma, quase ao mesmo tempo, António Costa dá a mão ao acossado Alberto Campos Fernandes, tornando-o mais popular entre médicos, enfermeiros e técnicos de saúde, e estende uma casca de banana a Tiago Brandão Rodrigues, que aparece, agora, como o rosto do anti-sindicalismo, contestado por professores e seus representantes, a quem tudo foi prometido e a quem, agora, tudo parece ser negado.

Sendo, como explica a ciência económica, os recursos escassos e as necessidades ilimitadas, há, ao contrário do que nos querem fazer crer comunistas e bloquistas, e do que, até há pouco nos transmitiam socialistas, que fazer opções, sacrificando-se, neste caso, a educação em prol, da saúde, não se podendo, sem mais, fazer rimar em uníssono, os verbos aumentar, descongelar, repor.

Restará aos professores a consolação de poderem, caso venham a ficar doentes, ser atendidos por profissionais da saúde mais satisfeitos e mais descansados, enquanto estes últimos saberão que os seus filhos dificilmente encontrarão nas escolas públicas professores mais disponíveis e menos stressados. Como se costuma dizer, não há almoços grátis.