Portugal, 2022: o dia de trabalho começou com uma sensação de surpresa e embaraço. O CEO comentava com o COO que não compreendia como podia ser possível. Achava que sempre tinha tratado bem os seus colaboradores e que até lhes pagava bem, quando comparado com o mercado. Não esperava que aquele questionário de clima organizacional mostrasse um retrato de insatisfação, mal-estar e até pouco comprometimento com a empresa tão generalizado.

É certo que há já alguns meses era visível uma maior rotação dos funcionários em certas funções, mas sempre pensou que isso se devia a mudanças no mercado de trabalho, com a concorrência a pagar acima do que era razoável e as oportunidades internacionais com as quais considerava impossível competir.

Numa reunião do board o assunto foi discutido e vários dos seus membros referiram que o impacto da pandemia na saúde mental estava a ser muito grande e que as pessoas não estavam bem e tomavam, por vezes, decisões, que consideravam irracionais, saindo das empresas onde estavam. Em resposta a isto o CEO pensou ter de agir e disponibilizar aos seus funcionários a possibilidade de terem consultas de psicologia. Fez um acordo com uma psicóloga que conhecia e respirou fundo.

França, 2007: “Vou tirá-los de uma maneira ou de outra, pela janela ou pela porta”, disse Lombard aos seus directores. Os tempos eram difíceis para esta empresa e um plano de reestruturação previa a saída de pelo menos 22 mil trabalhadores. As práticas utilizadas (como transferências de local de trabalho para longe das famílias ou para funções humilhantes) foram denominadas pelo tribunal sobre o epíteto de “assédio institucional”.

Lombard era o Presidente da France Télécom. Foi condenado a uma pena de prisão. Em causa 39 casos de funcionários que se suicidaram, tentaram suicidar-se ou desenvolveram perturbações depressivas e incapacitantes para o trabalho.

Quinze anos depois, mostramos espanto perante o impacto da pandemia na saúde. Perguntamo-nos como é que isto aconteceu? Por que razão estamos assim? Foi apenas a pandemia? E por que razão em Portugal consumimos mais psicofármacos do que nos restantes países da União Europeia? E o que é isto da great resignation? E o quiet quitting? E a semana dos quatro dias?

Responsáveis de organizações públicas, privadas ou sociais, bem como decisores políticos, mostram-se preocupados, correm para soluções que estejam à mão e lhes sosseguem o pensamento e a consciência. “Já está, já fiz o que podia”. “Os melhores talentos estão a sair”, dizem. “As pessoas estão em sofrimento”, descrevem. Outros, em negação, dirão que agora as pessoas não toleram nada, não fazem sacrifícios e não sabem o que é passar dificuldades: “são fracos”.

Há ainda empresas que descobrem o potencial de negócio da “saúde mental”, fazem “estudos” e vendem serviços como sendo de saúde mental (algumas são organizações muito conceituadas e, mesmo que nada percebam de saúde mental, percebem de negócio). Sucedem-se iniciativas que declaram intenções de amor à saúde mental.

Outros estão mais interessados em relações mais ocasionais e mostram-se apaixonados pela felicidade dos seus trabalhadores, como se inspirados por Aldous Huxley no seu “Admirável Mundo Novo”. Porque os “comprimidos da felicidade” existem literalmente em comprimidos, mas também em pacotes de iniciativas para promover a felicidade dos trabalhadores (como se de um propósito e função das empresas se tratasse) ou o efeito nostálgico da FNAT – a Federação Nacional da Alegria no Trabalho, dos tempos do Estado Novo.

Olhando de fora e à distância, como num zoom out às organizações, o seu comportamento parece o do personagem Coelho Branco, da obra de Lewis Carroll “Alice no País das Maravilhas”. Ele que corria aparentemente de forma errática, para um lado e para o outro, ansioso e preocupado com as horas. O que me recorda outro fenómeno recentemente trazido ao destaque público pelo Fórum Económico Mundial: a “Paranoia da Produtividade”.

Após o boom do trabalho à distância, do teletrabalho e do trabalho híbrido, a desconfiança existente é terreno fértil para a desconfiança crescente e muitas chefias olham com descrédito para o trabalho feito longe da sua vista. O que não é diferente do ditado “longe da vista, longe do coração” pois, na verdade, isto é uma crença mais suportada na emoção do que na razão, mais na insegurança que a falta de competências para gerir, liderar e, em particular, fazê-lo à distância, pode causar.

Na Web Summit 2022 também se falou de saúde mental, em parte ligando a iniciativas tecnológicas como apps para nos ajudar com a nossa saúde mental. Eu sei… a vontade é muito grande para “fazer o bem” e temos uma “tendenciazinha” para achar que a tecnologia resolve tudo sem termos de estar a mexer em coisas como emoções e pensamentos e relações entre pessoas… hehhh.

Sim, a tecnologia pode ser um instrumento e um veículo para mais e melhores serviços na área da saúde mental, mas atenção aos seus limites e mais humildade para chamar quem tem competência sobre a aplicação desta área científica para o desenvolvimento destas tecnologias no âmbito de equipas multidisciplinares.

Uma ideia mais simples para melhorar a acessibilidade: permitir o acesso aos serviços de psicólogos em serviços públicos e ainda aumentar mais a abrangência da cobertura no mercado de seguros. Será isto assim tão radical?

Perante tudo isto o que fazer?

Opção 1: aparecer no concurso “Undercover boss”, um reality show em que o CEO coloca um disfarce e trabalha sem ser reconhecido na sua própria organização, tentando perceber o que é mesmo a vida dos seus trabalhadores.

Opção 2: contratar o primeiro vendedor de sonhos que lhe aparecer no ouvido, na retina ou no escaparate de livros de autoajuda da sua livraria (pode ser online). Ele vai dizer-lhe tudo o que… quer ouvir. Vai dizer que os seus trabalhadores têm de suar porque já os nossos antepassados o faziam em carne viva, e vai dizer que vamos todos conseguir se tivermos o correcto mindset, fixarmos os nossos objectivos e acreditarmos muito que os vamos atingir dizendo a nós próprios pelo menos três vezes ao dia antes do pequeno-almoço: “eu vou conseguir, eu vou conseguir”.

Opção 3: assume a responsabilidade principal no que se passa na organização e no que deve mudar, envolvendo-se nesse processo activamente e de forma permanente, admitindo que é estratégico e crítico para a sustentabilidade da organização reconhecer o bem-estar (e não a felicidade). A partir daqui pode colocar a ênfase na reflexão sobre quais as práticas de gestão que quer mudar (consulte www.maisprodutividade.org) e avalie de forma abrangente os riscos psicossociais (por um profissional competente e com instrumento validado para a população portuguesa no cumprimento de elevados parâmetros ético-deontológicos).

De acordo com esta avaliação, planeie a sua intervenção optando por medidas com evidência científica. Esta é a prioridade. Depois, talvez, a facilitação do acesso a consultas (de preferência com alguma possibilidade de escolha do psicólogo por parte do trabalhador).

E os factos? A Organização Mundial de Saúde alerta para o facto do trabalho afectar a saúde mental e o bem-estar. Antes da pandemia, um em cada cinco portugueses sofria ou já tinha sofrido de um problema de saúde mental. As empresas portuguesas do sector não financeiro perderam, apenas em 2019, em resultado directo de problemas de saúde psicológica nos locais de trabalho, 3,2 mil milhões de euros (aguardamos as estimativas para o ano de 2021).

As pessoas produzem melhor se se sentirem bem no seu local de trabalho. Se forem mais autónomas e mais reconhecidas pelo que fazem, como fazem e como são na sua actividade profissional. A sustentabilidade das organizações tem um dos pilares na sua dimensão social, que inclui as pessoas que nelas trabalham. Uma organização que não tenha uma política de valorização das pessoas com respeito pelo seu bem-estar tem a sua imagem em risco e perderá valor. No limite, tem em risco a sua sobrevivência se pessoas críticas ao negócio saírem porque nada as vincula (o dinheiro também existe noutros locais e circula mais do que a boa gestão das pessoas).

Nota: caso tenha escolhido as opções 1 e 2, sugiro que considere que errar é humano e o seu reconhecimento é importante como forma de mudança da atitude e comportamento para estar mais alinhado com o cumprimento do primeiro dos objectivos da sua organização, que é… sobreviver. Depois, se teve mesmo a coragem de admitir perante uma audiência de milhões que não sabe nada sobre o que se passa na sua organização, recomendo que passe para a opção 3.

Se tiver optado pela opção 2 quando estava na dúvida sobre se participaria no reality show e decidiu-se a participar depois de dizer durante uma semana “eu sou capaz”, repetidamente, recomendo que passe à opção 3 e não se esqueça de que quando quer resolver um problema cardíaco vai ao cardiologista e não à bruxa (com todo o respeito pelas bruxas). E que isso deverá fazer com que não “facilite” (expressão utilizada para evitar dizer que não cometa erros graves reiteradamente por não querer saber ou escutar) e que chame psicólogos quando se trata de promover o bem-estar na sua organização, prevenir problemas de saúde mental, desenvolver a cultura organizacional nesse sentido, construindo lideranças mais saudáveis e competências socioemocionais necessárias no quadro de uma reflexão estratégica, que tenha em conta o que diz a ciência sobre o comportamento das pessoas e os seus processos mentais.

Já chega de banha da cobra e de venda de ilusões desde os life coaches certificados (o que é isso de certificado?) até aos consultores de desenvolvimento humano. Para liderar é preciso ser credível, respeitado e, por isso, confiado. O caminho para isso é feito de factos e de ciência.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.