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Chumbo do Orçamento: “É surpreendente o ar de alívio nas pessoas”, diz Ferraz da Costa

O presidente do Fórum para a Competitividade considera “surpreendente o ar de alívio” nos portugueses com o chumbo do OE2022, dado que a queda do Governo terá mais vantagens do que inconvenientes, especialmente dados os recuos que este previa em reformas-chave.
29 Outubro 2021, 09h15

Apontando várias fragilidades na economia nacional, desde a falta de ambição no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) português até à fiscalidade elevada e instável, Pedro Ferraz da Costa, presidente do Fórum para a Competitividade, mostra-se pouco preocupado com o chumbo orçamental; ao invés, a história económica portuguesa mostra que “períodos em que há um governo de gestão são normalmente grandes períodos para a atividade económica”. Assim, 2022 será um ano para melhorar o Plano de Recuperação e Resiliência, em vez de “deitar dinheiro por cima”, sugere.

Que avaliação faz deste processo orçamental?
A política orçamental portuguesa é má e é má há muitos anos. Aliás, é normalmente difícil ter contas certas com políticas orçamentais más. Nesse sentido, a lei de execução orçamental (LEO), que já foi votada, devia ser executada e tem sido sistematicamente atrasada pelo Governo, porque prefere não estar sujeito aos critérios de rigor que a LEO implica. Foram cá aprovados esses critérios porque é uma obrigação comunitária, na medida em que fazemos parte de uma união económica e monetária, as nossas contas afetam as contas de outros e eles acham que nós deveríamos gerir melhor a despesa pública. A LEO obriga a isso e estabelece um conjunto de regras e exames periódicos com o objetivo de, no fundo, facilitar a supervisão e a orçamentação, ter melhor despesa pública no sentido de o dinheiro gasto ter os efeitos desejados. Quem quiser viver acima das possibilidades do país, e tem sido o caso largamente em Portugal, claro que quer um orçamento opaco. E quer depois uma outra coisa, que é executá-lo de uma maneira diferente ao que estava previsto, o que dificulta muito a avaliação e o trabalho da AR, que é suposto controlar a atividade do Governo. Este ano, acho que os parceiros do Governo estavam fartos de dar cobertura a um esquema que não correspondia à realidade. E estou a pesar as palavras, o que estou a dizer é evidentemente grave. Não se pode administrar um país desta maneira. Acho que é muito evidente que os contribuintes começam a deitar impostos pelos olhos e o aumento dos combustíveis agora não ajudou. Ou seja, paga-se tanto e depois as contrapartidas em termos de serviços públicos são o que são que começa a ser difícil de defender, em termos de se defender uma gestão correta e rigorosa dos fundos.

Quais serão as consequências económicas mais evidentes decorrentes do chumbo?
Os períodos em que há um governo de gestão são normalmente grandes períodos para a atividade económica, porque, infelizmente, os governos em Portugal, em vez de ajudar, desajudam. Quando não há governo fica tudo melhor. É surpreendente o ar de alívio com que as pessoas prosseguem, porque neste momento o PS tinha decidido, para tentar assegurar o voto do BE e do PCP, dar-lhes um conjunto de vantagens em termos de alterações legislativas completamente incompreensíveis para a atividade económica, ainda para mais numa altura de saída da pandemia e com as dificuldades e alguns fenómenos disruptivos que estão a acontecer na economia internacional. As empresas já estão com muitas dificuldades para se aprovisionar em determinadas coisas indispensáveis à sua atividade e agora vamos aumentar as horas extraordinárias e os despedimentos outra vez? Ainda com as alterações da troika continuamos com uma das legislações mais rígidas do mundo e agora vamos voltar a piorar isso outra vez? Nesse sentido, a queda do Governo é um alívio. Terá inconvenientes? Talvez, mas tem muito mais vantagens, na minha opinião.

Como perspetiva o próximo ano?
Como um ano de trabalho muito exigente para toda a gente, para ver o que se pode fazer para transformar o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) numa coisa mais útil para o desenvolvimento em Portugal do que aquilo que estava. Quando se vem dizer que isto pode atrasar o PRR, as pessoas continuam a achar que se deitarmos dinheiro por cima tudo fica melhor. Posso dizer que o Estado não está sequer a conseguir admitir o número de técnicos necessários para avaliar as candidaturas. Portanto, atrasado já está, como está atrasado o quadro comunitário anterior. Esta incompetência, complicação, desajuste entre aquilo que é pedido e aquilo que pode ser dado, condições de atração de investimento… Não é de hoje nem de ontem que isto está mau. Há anos que investimos menos do que o que é necessário para renovar a economia. Tivemos até anos em que o investimento foi inferior ao valor das amortizações. Portanto o próximo ano vai ser … com certeza que era muito bom que houvesse uma clarificação política, mas se não houver não ficamos pior do que estávamos. Friamente, é o que acho.

A fiscalidade é a principal questão na atração do investimento?
Vi uma vez uma imagem muito engraçada em que os incentivos eram como um cabaz de fruta. Quando nos apresentam o cabaz, vemos primeiro as frutas maiores, que são os melões, que são os impostos. O primeiro crivo é muito baseado nisto. Depois, há os acordos, os contratos de investimento que são feitos com empresas de maior dimensão, onde os governos dão outras frutas, mas isso limita-nos a empresas de grande dimensão e muito pouco às de dimensão média e isso é mau. Nós temos um enquadramento muito pouco atraente. Internamente, achamos que a praia é ótima e o clima também, mas ninguém fará uma localização importante por causa disso. Falamos muitas vezes na necessidade de reformas estruturais… Neste momento, estamos a tentar acabar com algumas, fazê-las andar para trás, no que diz respeito à legislação do trabalho.

… quais são aquelas que são fundamentais?
São sempre as mesmas: o nível geral de tributação e, tão importante como isso, a instabilidade da legislação fiscal e a duração do contencioso fiscal, que é uma coisa brutal.
A Autoridade Tributária colabora no atraso da resolução de problemas e isso para empresas que tenham de apresentar contas internacionalmente é algo muito mau. Os exercícios anteriores estão sempre sujeitos a serem corrigidos e a autoridade, cá, no último ano é que vai fazer as inspeções. Ao nível da fiscalidade, é das mais elevadas da Europa e é progressiva, ou seja, as empresas de maior dimensão, que é o que precisamos, tornam-se as mais tributadas. Há incerteza quanto aos prazos e ao contencioso fiscal. Depois, o problema da burocracia no geral, muito ligada aos licenciamentos. Um dos exemplos mais gritantes foi a Autoeuropa, que teve de ser inaugurada sem licenciamento, na presença do Presidente da República. É uma situação impensável, mas com que nós convivemos, porque achamos que é normal. Fiscalidade, taxas e prazos; a burocracia; e depois todas as rigidezes que temos na legislação do trabalho e que são muito pesadas.

E na Justiça?
A Justiça, em relação à burocracia e às finanças, há aí problemas, mas temos problemas de cobrança. Temos prazos anormalmente longos; devemos ser o país da União Europeia com prazos de recebimento mais longos, com o Estado à cabeça.

O que é, além da fiscalidade, tratar melhor o sector privado? Em que é que o Estado pode intervir?
O problema não é o Estado intervir, é resolverem-se as coisas mais depressa. Os prazos de licenciamento são brutais; as dificuldades, muitas vezes, são disparatadas; há legislação contraditória sobre os mesmos assuntos, uma lei prevê como obrigatório e outra proíbe. Leva-se isso às autoridades e ficam a olhar e não vão resolver aquilo. A certa altura confiou-se – e é um problema que deveria ser discutido – nas entidades reguladoras, que têm uma independência muito grande, e o princípio é de louvar, mas quando a escolha não é muito ajustada é um caso sério. Veja-se a guerra permanente que o regulador das comunicações já conseguiu estabelecer com as empresas de telecomunicações a respeito do concurso do 5G. Podem ser não sei quantos anos, pode atrasar [a atribuição das licenças], como é que aquele senhor acha que é possível viver em guerra permanente? O sistema possibilita isso. Ele vem do Banco de Portugal, que também é uma entidade majestática e convencida dos seus próprios méritos, mesmo quando a história recente o desmente.

Falta quem regule os reguladores?
Não sei se é quem regule, não sei como se resolve, mas parece-me um problema complicado. Eu sei como resolveria: perguntaram-me, há muitos anos, quem escolheria para a Autoridade Tributária e eu disse para irem buscar um irlandês ou um inglês, alguém que não conheça ninguém, que não seja conhecido e possa tomar decisões sem ter medo de encontrar os visados no sítio onde vai almoçar. Nós temos também o problema de o país ser muito pequeno e de ninguém querer incomodar ninguém. Isso não é possível ou não é possível atuar bem nesse enquadramento. Há casos em que ganhávamos em ter distanciamento em relação aos agentes [económicos], quando são empresas muito metidos com o Estado em sectores muito regulados torna-se muito pastoso.

Participou no primeiro acordo de concertação…
No primeiro e no único [em 1990, enquanto presidente da CIP].

… como avalia [o Conselho Permanente de] Concertação Social?
Acho que deveria ter acabado, não tem condições. Foi uma vaca sagrada que se construiu. Não tem condições porque é desequilibrado por natureza. Não há nenhum governo, a não ser em situações de grande exceção, que não tome o partido dos sindicatos, portanto a parte patronal está sempre numa parte muito fraca. Muitas vezes tem uma estratégia de em vez de contrariar determinadas tendências buscar compensações para essas tendências. Não é possível trocar tudo por dinheiro, e também não há assim tanto dinheiro, por isso, acho que é uma coisa meio ilusória. Houve, no período da Troika, uma tentativa que achei séria de ter uma negociação mais aberta, uma aproximação mais livre ao programa.

O peso que o Governo tem na economia também condiciona o posicionamento dos parceiros, de um lado e do outro?
Também. A CIP, no meu tempo, não recebia um tostão de subsídio, era completamente independente. Eu acho que as organizações patronais e sindicais não podem ser subsidiadas pelos governos, têm que agradar àqueles que representam, não é a terceiros. Isso, para mim, é claríssimo. Se a certa altura uma grande parte dos técnicos das organizações, de um lado ou do outro, estão dependentes de subsídios estatais, não há nenhum dirigente que tenha a coragem de acabar com isso.

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