Quando as evidências sobre as mudanças climáticas ultrapassam as previsões e atingem, com imensa severidade, também os EUA, seria de esperar que a administração Trump mantivesse o tema em standby durante uns tempos. Estávamos em finais de agosto quando o Furacão Harvey passou no Golfo do México e, logo de seguida, em jeito de tweet provocador a São Pedro, a Casa Branca nomeou, para administrador da NASA, Jim Bridenstine. Este negador das mudanças climáticas prestou-se rapidamente a seguir as linhas internas traçadas em março passado, e a focar-se no estudo do espaço profundo, incluindo o clima em Marte, pondo de parte as ciências da Terra e, consequentemente, o nosso próprio clima.

Em resumo, tudo continua igual do lado do segundo maior emissor mundial de gases com efeito de estufa. E se as novidades dos EUA já se esgotaram, será curioso fazer uma breve comparação com o nosso país. Concretizando, se os incêndios recentes em Portugal vão ter sequelas nos programas das eleições autárquicas que se aproximam, ou se iremos ser apanhados de surpresa. A chamada de atenção pode parecer redundante, mas faz todo o sentido, visto que esta semana surgiu mais um exemplo dos frutos do desinteresse da participação social no processo democrático, que ninguém esperava. O desfecho do Orçamento Participativo nacional foi conhecido no passado dia 14, e mostra, numa primeira leitura, que os portugueses parecem andar mais preocupados com as emissões da pecuária que com as das florestas ardidas.

Dos cerca de 33.000 votos recolhidos em projetos nacionais, mais de 6.500 premiaram com 200.000€ a proposta de “Cultura para Todos” (1º lugar), relacionada com livros, como um outro projeto, também de cultura e com o mesmo montante, intitulado “Tauromaquia, Património Cultural de Portugal” (2º lugar). São 200.000€ para um trabalho de recolha de informação, incluindo apoio no registo de imagens de tauromaquias populares e corridas institucionais, entre outras atividades. Foram mais de 5.500 votos nesta proposta, e é preciso notar que existem petições públicas anti-touradas com um número de assinaturas bem maior, de pessoas que agora provavelmente se irão manifestar quando este trabalho produzir resultados. Que fique a lição.

A proposta de equipa de cinco elementos do projeto da Tauromaquia inclui um economista, e sendo eu própria economista nas áreas ambientais, cabe-me relembrar que os custos e ganhos de tais atividades não se medem em simples análises financeiras de projeto, com taxas de rentabilidade. Na verdade, com tanta indignação nacional relativamente aos subsídios à tauromaquia, é óbvio que esta não sobrevive por meios próprios.

Os autores dizem na proposta, em tom justificativo, que outras políticas menos eficientes de preservação das espécies impõem a recusa da rentabilidade económica. Certamente que nesta altura de desenho do trabalho o economista ainda não tinha entrado ao serviço, pois ele saberia que a rentabilidade económica não é uma rentabilidade financeira. Antes que se lembrem de propor a matança do touro como um projeto de mitigação das mudanças climáticas, dadas as emissões de metano dos bichos, é preciso notar que a rentabilidade económica inclui também os chamados custos de oportunidade e custos indiretos. Neste caso em concreto, compreendem-se todos os custos associados ao facto de ser, ou não, eticamente aceitável obter diversão a partir do sofrimento animal. Por curiosidade técnica, ficarei atenta aos produtos finais deste projeto.

Tal como Trump vira a atenção para Marte, ignorando os furacões, em Portugal ignorámos o Orçamento Participativo. Para nos redimirmos, enquanto não temos os programas eleitorais para analisar, podemos apreciar outros projetos que foram submetidos, no website do OPP. Deixo aqui a ideia que uma outra equipa vencedora, a nível regional, do projeto “Como tratar os seus animais”, que com um financiamento de 50.000€ atua na área da “Educação e Formação de Adultos”, utilize a equipa tauromáquica como case study. Para melhores resultados podem sempre juntar-se no laboratório de mais um vitorioso regional, “Tabernas do Alentejo – Arte e Ciência”. Talvez assim se permita que o destino trágico dos touros sobreviva apenas nas reportagens históricas, para que os vivos não tenham que voar para Marte para conseguirem viver sossegados.