O referendo golpista promovido pelo governo catalão tem merecido o apoio de certos sectores da esquerda e da direita portuguesas, que oscilam entre a simpatia contida e a adesão entusiasta. Na comunicação social e sobretudo nas redes sociais, onde as paixões mais se exacerbam e o bom senso raramente tem lugar, o independentismo catalão, violador da legalidade de um Estado democrático e pluralista, nosso aliado e parceiro, foi por alguns bem acolhido.

Para certa esquerda, historicamente internacionalista, e hoje em dia autoproclamada cosmopolita, que se tem manifestado – e bem – contrária à vaga de nacionalismos de direita em crescendo na Europa, o independentismo catalão é encarado, pelo contrário, como libertador de uma suposta opressão de Madrid. Deliberadamente ignorando os matizes xenófobos e egoístas em que a causa assenta, os mesmos que fundamentam os nacionalismos direitistas que condenam, tiraram dos baús da história os slogans e as bandeiras do anticolonialismo, bradando a favor da autodeterminação dos catalães supostamente subjugados.

Os motivos da adesão esquerdista ao independentismo catalão são vários. Desde logo, pela sua associação à oposição ao regime franquista, esse sim opressor, mas felizmente já extinto. Por outro lado porque, para certa esquerda, a democracia espanhola padece de um pecado original, sendo encarada como uma espécie de legado de Franco.

A natureza pactuada da transição espanhola, que reconheceu aos herdeiros do caudilho – alguns deles fundamentais na consolidação democrática –, o direito à cidadania política, nunca foi do seu agrado; em seu lugar, teriam preferido um regime de justiça revolucionária que tivesse relegado para a obscuridade ou para a cadeia os que militaram no franquismo. Da mesma forma lhes desagrada a opção dos espanhóis pela monarquia, não apenas pela oposição de princípio a esta forma de chefia de Estado, mas também porque resultou de uma escolha de Franco, embora livremente sancionada em referendo constitucional.

Por seu turno, a circunstância de o inquilino da Moncloa ser do PP justifica também a sua simpatia para com a independência da Catalunha, pois tudo o que comprometa Rajoy, mesmo que com consequências graves e duradouras para Espanha, é aceite sem críticas.

Quanto a certa direita nativa, a sua posição solidária para com a independência catalã tem por base um nacionalismo bafiento e anacrónico, visceralmente anti-castelhano, convicta de que a uma Espanha mais fraca corresponderá um Portugal mais forte, pois que livre das tentações expansionistas do poderoso vizinho, como se vivêssemos ainda nos tempos do conde-duque de Olivares.

Na mesma linha argumentativa, alguns têm, inclusivamente, justificado a sua posição com a gratidão devida à Catalunha por ter contribuído, ainda que  de forma involuntária, para o sucesso do movimento dos conjurados de 1640, que expulsaram ontem, como os catalães de hoje, o poder tirânico de Madrid.

O que estas franjas da esquerda e da direita fazem por esquecer é que a instablidade vivida no país vizinho é, de várias formas, lesiva para Portugal. Uma Espanha em risco de balcanização introduz um factor de imprevisibilidade, política e económica, que só nos pode causar danos. Por outro lado, poderá gerar uma crise na UE, que necessariamente nos afectará, podendo motivar outras veleidades independentistas, em que a Europa é fértil, e encorajar os movimentos radicais de direita, que não deixarão de associar a luta pretensamente emancipadora da Catalunha em relação a Espanha, com a libertação dos Estados-membros do jugo de Bruxelas, como fez Nigel Farage, com a sua verborreia habitual.

Por fim, e não menos importante, porque o desrespeito pelo Estado de Direito assumido pela Generalitat é um ataque à Democracia, logo a todos os países que se fundam no império da Lei. Definitivamente, o sectarismo e o preconceito raramente são bons conselheiros.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.