A 10 de Maio de 1981, faz agora 40 anos, François Mitterrand era eleito presidente da República Francesa, tornando-se no primeiro político socialista a alcançar tal feito no regime constitucional da V República. Recordo-me de seguir as eleições com interesse e o resultado ter constituído uma agradável surpresa.
Independentemente das questões ideológicas, Mitterrand simbolizava a novidade política, prometia “mudar a vida” e rodeou-se de jovens políticos e publicitários a quem deu carta de alforria na campanha eleitoral. Um desses publicitários, Jacques Séguéla, na altura com pouco mais de 40 anos, inventou a marca Mitterrand com a mensagem “La force tranquile”.
Mais tarde, na sua recandidatura, em 1988, ajudou à reeleição com o cartaz “génération Mitterrand”. O feito é tanto mais extraordinário quanto é certo que o candidato, sendo sem dúvida culto e assertivo nos debates políticos, não tinha particulares dotes oratórios e arrastava um passado político muito preenchido mas nem todo ele devidamente esclarecido.
Um dos pontos sombrios era (e ainda o é hoje) a sua ligação ao regime de Vichy. Contudo, isso não o impediu de ser eleito e reeleito e exercer durante 14 anos a magistratura máxima da República Francesa. Provavelmente porque, como o próprio Séguéla sempre disse, ninguém vence eleições com menos de 95% de notoriedade.
Contudo, um outro ponto sombrio da biografia de Mitterrand é a manutenção durante anos de duas vidas privadas e familiares, totalmente separadas e sobretudo ignoradas do público, realidade que só se tornou pública dois anos antes de morrer, em 1996.
A existência de uma filha, Mazarine, nascida da relação que manteve até falecer com Anne Pingeot, não obstante manter-se casado com Danielle, de quem já tinha dois filhos, só se tornou conhecida do público quando, em 1994, a revista “Paris Match” fez capa com o assunto. Até lá o tema foi um segredo para todos, a ponto dos meios-irmãos ignorarem sequer a existência de Mazarine.
Mas, sobretudo, constituiu um verdadeiro segredo de Estado. Na verdade, sabe-se hoje, Mazarine e a sua mãe viveram em edifícios públicos e sob protecção do Estado francês durante os mandatos de Mitterrand, sem que os próprios ministros e restante pessoal político disso soubessem.
Para quem nutre pela figura de Mitterrand respeito intelectual e político, estes aspectos não deixam de ser perturbantes. Sempre se poderá dizer que Mitterrand tomou o partido da defesa da sua vida privada. Nada mais respeitável. Mas à luz do que hoje se sabe parece mais plausível outro sentido para a sua decisão: o de que a revelação da sua verdadeira vida privada poderia arruinar (ou pelo menos dificultar) a sua carreira política.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.