Muito se tem escrito nos últimos anos sobre Seguros de M&A, a maior parte das vezes desde um ponto de vista básico, sem acrescentar real valor a quem tem de os utilizar. Gostaríamos, por isso, de apresentar algumas dicas práticas sobre a utilização deste tipo de soluções.
Um dos clichés preferidos quando se fala de Seguros de M&A é o clean exit, isto é, a ‘saída limpa’ que estes seguros oferecem ao vendedor. Se por clean exit entendemos que o vendedor transferirá o target (i.e., o objeto da compra e venda) ao comprador sem assumir qualquer responsabilidade ao abrigo do contrato de compra e venda (SPA), é necessário ajustar este conceito, uma vez que o vendedor pode reter certa responsabilidade.
O Seguro de W&I foi concebido para cobrir as declarações e garantias (R&Ws) prestadas pelo vendedor no SPA. Portanto, esta solução permite desonerar o vendedor de responsabilidade por tudo o que estiver coberto pelo W&I. No entanto, o que acontecerá com as contingências identificadas – que, por serem conhecidas do comprador antes da entrada em vigor do Seguro de W&I, não estarão cobertas pelo mesmo – ou com as R&Ws do vendedor não cobertas ao abrigo da apólice, no todo ou em parte? Face ao exposto, a ‘saída limpa’ do vendedor dependerá do poder de negociação deste com o comprador.
Na prática, o vendedor oferece o Seguro de W&I ao seu comprador como a única forma deste se poder ressarcir de um incumprimento de uma R&W do vendedor. Portanto, não respondendo igualmente o vendedor pelas R&Ws não cobertas pelo Seguro de W&I. Relativamente às contingências identificadas, que constituem a principal exclusão do Seguro de W&I (e.g., uma contingência fiscal, uma ação judicial em curso ou a falta de uma licença), o seu impacto será objeto de negociação entre vendedor e comprador, quer no âmbito do SPA, através da fórmula de specific indemnities, ou diretamente via redução ao preço, que acaba por ser a solução mais prejudicial para o vendedor.
Contudo, por vezes, durante a negociação com o comprador, o vendedor pode aceitar ser responsável por R&Ws não cobertos pelo Seguro de W&I – não cobertas por se referirem a temas não analisados pelo comprador no seu processo de due diligence (“DD”) ou por se tratar de áreas expressamente excluídas ao abrigo do Seguro de W&I com caráter geral ou para essa transação em particular. Também neste cenário, a negociação da responsabilidade pelas contingências identificadas entrará novamente em jogo.
Em ambas as situações, o Seguro de W&I ajudará a limitar a responsabilidade do vendedor, mas, como se percebe, o vendedor só poderá obter a tal ‘saída limpa’ se mantiver a sua posição à mesa da negociação com o comprador. Isso sim, a utilização dos Seguros de M&A facultará ao vendedor as ferramentas ideais para alcançar esse objetivo (clean exit), protegendo simultaneamente a posição do comprador, que não será prejudicada pela ausência de responsabilidade do vendedor – pelo contrário, por via da apólice, a posição do comprador sairá reforçada.
Como devemos trabalhar para conseguir esta ‘saída limpa’? Tal como referido, as contingências identificadas são a principal exclusão do Seguro de W&I, uma vez que são eventos já conhecidos pelo comprador antes da entrada em vigor do seguro. No entanto, o vendedor pode também ser obrigado pelo comprador a ser responsável pelas R&Ws não cobertas pela apólice.
A fim de maximizar valor para o vendedor, bem como obter uma proteção adequada para o comprador contra riscos conhecidos e desconhecidos, os Seguros de M&A devem ser utilizados de forma eficiente e organizada. É aqui que o bom broker deve intervir para organizar o processo e definir o calendário.
Em primeiro lugar, o trabalho do broker deve começar por ajudar a definir o âmbito de revisão dos relatórios de DD junto dos assessores relevantes (e.g. legal, fiscal, etc.). Para efeitos do Seguro de W&I, o princípio geral é de que este cobrirá o que for analisado pela DD. Logo, um scope de DD adequado será essencial para obter uma boa cobertura para as R&Ws do vendedor ao abrigo da apólice de W&I. No momento de efetuar a DD, se se pretender utilizar um Seguro de W&I na operação, isto deve ser tido em conta e deve colocar-se a questão “que R&Ws quero incluir no SPA para que sejam cobertas pelo W&I”, a fim de garantir que o exercício de DD abrange os temas objeto dessas mesmas R&Ws. Isto permitirá obter uma proteção adequada contra incumprimentos desconhecidos.
Sobre o que foi identificado na DD, e, portanto, excluído do Seguro de W&I, é fundamental que o broker, através das suas equipas especializadas, assessore o comprador (ou, por vezes, também o vendedor, quando existe uma vendors due diligence (“VDD”) e o processo de W&I se inicia por este) sobre a a possibilidade de obter cobertura para essas contingências identificadas. Por outras palavras, se as contingências materiais identificadas na transação serão seguráveis ao abrigo do Seguro de Contingências Específicas.
Desta forma, o broker oferece ao cliente a possibilidade de eliminar certas contingências materiais da mesa de negociações entre vendedor e comprador, convertendo-as numa mera questão de custo (ou seja, quem assume o prémio do Seguro de Contingências Específicas) – sendo este custo muito inferior ao montante que seria deduzido do preço para cobrir a contingência total. Desta forma, por exemplo, uma potencial contingência fiscal de dez milhões de euros poderia converter-se num custo de trezentos mil euros. A segurabilidade da contingência e o montante do respetivo prémio dependerá, essencialmente, do montante do potencial risco, da sua probabilidade de materialização e dos argumentos de defesa contra a parte reclamante.
Portanto, a ‘saída limpa’ do vendedor pode obviamente existir, mas dependerá do poder de negociação deste e de uma organização adequada dos trabalhos de assessoria relativamente à solução de risco transacional. Este trabalho deverá começar do lado do vendedor, se o objetivo primordial do seguro for permitir a ‘saída limpa’ deste. A assessoria por parte do broker deve começar o mais cedo possível no processo. Se existir VDD, na fase de definição do âmbito de análise. Se não houver VDD, logo que esteja disponível o primeiro draft do SPA, o broker deve rever o mesmo para o adequar a um processo com W&I (o que resultará num set de R&Ws no SPA mais equilibrado e atrativo para o comprador, o que, sem dúvida, facilitará o processo de compra e venda).
Se o processo de seguro se iniciar pelo lado do comprador, a fim de garantir uma cobertura o mais ampla possível (o que resultará igualmente numa saída mais limpa para o vendedor), o trabalho do broker deve também começar com uma revisão dos scopes de DD do comprador.
Outro aspeto fundamental para assegurar a ‘saída limpa’ do vendedor será a negociação das R&Ws por parte do vendedor. A negociação deve incluir um exercício de disclosure adequado contra as referidas R&Ws, quer através da inclusão de disclosures específicos, quer através da utilização de uma um disclosure geral (por exemplo, “salvo quanto ao já divulgado no data room”). Atualmente este método de disclosure geral é aceite pela maioria das seguradoras, ainda que a sua utilização, embora possa facilitar as negociações e acelerar o processo, acabe por reduzir também a informação disponibilizada ao comprador durante a negociação das R&Ws com o vendedor. Portanto, a utilização de disclosures específicas contra R&Ws ou de um disclosure geral é uma decisão que cabe às partes, dado que as seguradoras, em princípio, aceitarão qualquer uma delas.
Outra questão que tipicamente surge é a seguinte: por que razão é importante que o vendedor negoceie as R&Ws a fim de garantir a ‘saída limpa’? Se o Seguro de W&I for devidamente negociado, a apólice incluirá uma renúncia da seguradora relativamente a quaisquer ações contra o vendedor, salvo nos casos de dolo/fraude, por serem irrenunciáveis (ao abrigo da apólice a seguradora deverá ainda renunciar a ações contra o vendedor por negligência grosseira, o que é relevante para conseguir o almejado clean exit).
Se uma R&W for violada e a mesma for considerada dolosa/fraudulenta (isto é, no caso em que o vendedor prestou uma declaração e garantia sabendo que a mesma não era verdadeira ou com a intenção de enganar), este seria o único caso em que a seguradora, depois de pagar ao comprador o dano sofrido, poderia acionar o vendedor. Importa, contudo, esclarecer que, na prática, o exercício deste tipo de ação por dolo ou fraude contra o vendedor por parte das seguradoras de W&I não é comum, para não dizer que é praticamente inexistente. Em qualquer caso, pelo simples facto de existir um Seguro de W&I, o vendedor não deve sentir-se na obrigação de dar qualquer R&W exigida pelo comprador, mas apenas aquelas sobre as quais tem um conforto razoável quanto à sua certeza.
NOTAS:
Seguro de W&I ou R&Ws: cobre o incumprimento das declarações e garantias prestadas pelo vendedor ao abrigo do contrato de compra e venda, ou seja, em geral, incumprimentos desconhecidas pelo comprador à data do SPA.
Seguros de Contingências Específicas: cobrem contingências já identificadas, seja no contexto de um processo de compra e venda ou não. Tipicamente permitem cobrir riscos de natureza fiscal, ambiental, de título e uso ou litígios em curso.
Seguros de M&A: Seguro de W&I + Seguros de Contingências Específicas.