Andamos há uns meses a assobiar para o lado perante a situação financeira do país. Há quem esteja feliz com os bolsos repostos daquilo que consideravam ser um furto. A devolução de vencimentos e a falácia da redução de pensões criou uma convicção de rendimento relativa. Tratou-se antes de uma mera inversão da curva de confiança pelo facto de se ter convencionado que este Governo iria devolver tudo o que começou a ser restringido em 2010.
Este Governo criou a convicção de que os impostos iriam descer. Contudo, temos um sucessivo aumento dos impostos indiretos de forma dramática e com impacto no quotidiano dos cidadãos, que ninguém quer assumir, em nome do valor disponível do seu recibo de ordenado, mesmo que no fim do mês disponham de menos rendimento líquido – a ilusão do valor relativo.
O Governo apostou no curto prazo e determinou como objetivo reduzir o défice público. E tem alcançado esse objetivo, mas de modo a pôr em causa o futuro próximo. Que interessa que os pagamentos sejam empurrados para a frente, pois em contabilidade nacional só conta como despesa efetiva no momento em que a fatura é paga. Que importa se deixamos de fazer investimentos, pois o que interessa é não gastar. E assim a despesa pública é cada vez mais, apenas e tão-só, ordenados, pensões e juros.
Objetivamente, os resultados financeiros são alcançados. Para consumo externo, o percurso é difícil mas tem sido prosseguido. E olhando apenas para os números, até Joseph Stiglitz nos anuncia como estando no trilho certo, enquanto o quarteto António Costa, Mário Centeno, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa partilham este entusiasmo e proclamam a necessidade de renovar caminho.
Quando Pedro Passos Coelho pede para olhar para além da superfície e aponta para a realidade, todos o interpelam, sublinhando a austeridade que o governo anterior teve de suportar, porque outros – aqueles que agora estão no poder – criaram as condições para a intervenção externa e para que os que nos emprestavam dinheiro exigissem mais para o fazer.
Quando alguém não conotado com o poder atual avisa para a situação de derrapagem da dívida pública para valores nunca antes atingidos, logo se acusa de profeta da desgraça e se ameaça com o regresso ao fantasma da austeridade.
Mas começamos a ser confrontados com esse caminho. Lentamente, os juros da dívida começam a subir, porque a dúvida se começa a instalar sobre a capacidade e a vontade de cumprir internacionalmente. Quando o ministro Centeno afirma uma coisa no Parlamento e o seu contrário na Europa, os interessados estão atentos a todas as declarações e não apenas para o “sound bite”. A Europa e os mercados não são feitos de “sound bites”.
Tenhamos presente que não é por iludirmos a realidade que ela deixa de acontecer. Não acreditávamos no Brexit ou na vitória de Trump nos EUA e aconteceram. Não queremos que uma nova crise ou intervenção externa, ou ainda uma solução grega, nos venha a acontecer. Mas pode não estar longe. E a culpa não vai ser dos mercados. Vai ser nossa.